Deputado do Bloco filma os Subterrâneos da Precariedade na Ciência

Filme de Luís Monteiro, deputado do Bloco de Esquerda, quer denunciar situações de precariedade no sector da investigação científica em Portugal. Documentário não tem como base matriz política-partidária, garante.

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Andre Rodrigues

O documentário Subterrâneos da Precariedade, com estreia marcada para este domingo, 22 de Setembro, no Cinema Trindade, no Porto, procura dar voz e captar “uma fotografia social” dos bolseiros de investigação com vínculos precários. As palavras são do realizador, Luís Monteiro, deputado do Bloco de Esquerda (BE) e responsável do partido pela pasta do Ensino Superior. Em conversa com o P3, o bloquista de 26 anos revela que a ideia para este filme começou a formar-se logo após ter sido eleito, em 2015.

“Quando fui para o Parlamento, tinha um contacto bastante próximo com o mundo da investigação. Estava a fazer mestrado e tive colegas investigadores. Quando assumi a pasta [do Ensino Superior] na Assembleia da República, percebi que um dos problemas [com o sector] se prendia com a precariedade na investigação científica”, explica aquele que é o deputado mais novo da presente legislatura. 

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Luís Monteiro foi eleito para o Parlamento com 22 anos Rui Gaudencio

Durante os 40 minutos de duração do documentário, investigadores, professores e outras figuras ligadas à Ciência e à Academia transmitem os seus testemunhos, dando conta da grande dificuldade na obtenção de um vínculo profissional estável com as instituições que representam. Perto de uma dezena de pessoas participam neste filme, com o objectivo de representar os vários tipos de vínculos precários que existem na área da investigação científica. Muitos vão somando décadas de contratos a prazo, sem nunca terem tido oportunidade de se juntarem a título permanente às instituições de ensino para as quais contribuem com projectos científicos. Uma realidade que já tem sido alvo de debate e denúncia nos últimos anos e serviu como tema a incontáveis notícias e artigos de opinião divulgados nos órgãos de comunicação social. Mas o que traz este documentário de novo?

Este não é um debate travado “só entre os pares”. “Tivemos, nos últimos quatro anos, um debate entre dirigentes e precários, algo que considero ter sido importante. O que o documentário tem de novo — pelo menos é esse o objectivo — é trazer para a praça pública um bocadinho mais do que a questão meramente sindical. Ou seja, a partir de uma reivindicação laboral ser algo que nos faz questionar todo o Ensino Superior”, enfatiza Luís Monteiro, que não consegue esconder alguma indignação. “A geração mais preparada do ponto de vista académico não ter estabilidade para trabalhar.”

Apesar da ligação do próprio e de algumas das fontes ouvidas neste documentário com o Bloco de Esquerda, o deputado garante que o filme não foi produzido tendo como base uma matriz político-partidária, algo que procurou, inclusive, evitar ao máximo. “Tentei não focar tanto nos governos porque a ideia do documentário não é conjuntural. O problema da precariedade na Ciência é estrutural: ultrapassou o Governo de Pedro Passos Coelho, chegou a este Governo do Partido Socialista — que teve medo de o enfrentar —, mas já vinha de outros executivos.”

Casos são muitos, mas continuam escondidos

O documentário arranca, precisamente, com o depoimento de um dos investigadores que conseguiu assegurar um contrato estável com a instituição onde lecciona. “Estou aqui desde 1993, numa situação não precária. Uma das mágoas que tenho é que a geração a seguir à minha tem uma vida bastante pior em termos de segurança de emprego”, lamenta João Veloso, docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O investigador denuncia a exploração a que os bolseiros em situação precária são sujeitos, garantindo ter conhecimento de casos em que as funções desempenhadas por estes não estão directamente relacionadas com a área científica. 

Luís Monteiro espera que este documentário tenha o condão de retirar da obscuridade estes casos de precariedade que, segundo o próprio, ainda passam despercebidos: “Se ligarmos a televisão e virmos uma reportagem sobre erosão costeira, talvez encontremos alguns investigadores precários. Mas essa sua condição é completamente desconhecida.”

O nome do filme foi inspirado no título do livro escrito pelo brasileiro Jorge Amado, Subterrâneos da Liberdade (1954), que conta a história da organização da resistência antifascista durante a ditadura militar brasileira. “É justamente esse paralelismo que me interessa trazer para a Academia”, explica. “Como é que os subterrâneos da precariedade científica se organizaram neste feudo do século XXI.”

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Cartaz do documentário

Alguns investigadores ouvidos no documentário lamentam que, apesar de dedicarem décadas das suas vidas a determinadas universidades, não tenham voz activa no processo de eleição dos órgãos de direcção. Essa ideia de necessidade de democratização da Academia é um dos pontos vincados pelo deputado do BE, que dá como exemplo o combate feito à Ciência por Donald Trump e Jair Bolsonaro. “A Academia é um espaço de poder e, numa época em que vivemos um clima de negacionismo [científico], percebemos que precisamos de libertar a Ciência das suas amarras. E isso passa por libertar os investigadores do seu problema precário e garantir a liberdade científica. E essa liberdade constrói-se democratizando a Academia.”

Próxima legislatura será decisiva

Outro dos temas discutidos em Subterrâneos da Precariedade é a insuficiência do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos à Administração Pública (PREVPAP) na regularização de precários nas carreiras de investigação. Incapacidade assumida pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, no discurso que proferiu no final da sessão de abertura do Encontro Ciência 2019, em Julho último, no Centro de Congressos de Lisboa, marcado pelos protestos de cerca de 40 precários do sector.

“Mais do que uma desilusão, foi uma revolta para muita gente”, comenta o deputado, em relação aos resultados do PREVPAP. Remetendo eventuais mudanças estruturais para a próxima legislatura, Luís Monteiro acredita que “um conluio entre Governo e reitores” impediu que o programa de regularização tenha tido sucesso neste sector. “Enquanto não se romper essa promiscuidade entre a Academia e o poder político vamos ter dificuldades”, prossegue.

A estreia do documentário está marcada para este domingo, 22 de Setembro, pelas 16 horas, no Cinema Trindade, no Porto. A entrada terá um custo de dois euros. A 1 de Outubro, pelas 21 horas, o filme será exibido em Coimbra, na Galeria Santa Clara. Lisboa receberá também a película, no Cinema Ideal, com data ainda por confirmar.

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