Matt Preston, o jurado do MasterChef que se apaixonou por migas, minis e pão-de-ló
De férias no Algarve e no Alentejo, a estrela do MasterChef Austrália andou a descobrir a cozinha do Sul de Portugal. Mas ouviu todos os conselhos que lhe deram sobre o que comer no resto do país e promete voltar em breve.
Entramos na suíte do hotel de Lisboa onde Matt Preston – o mais elegantemente extravagante dos três membros daquele que foi até há pouco tempo o popular júri do programa televisivo MasterChef Austrália – está a dar entrevistas. De sorriso aberto, Matt estende-nos a mão e agradece o facto de a conversa ser em inglês. “Em português seria muito difícil, só consigo dizer umas quatro palavras.” Quais? “Bom dia” é a mais evidente. Mas depois acrescenta: “Ovos-moles, migas e raspar.” Dá uma gargalhada. “São completamente inúteis.”
Nem tanto. São a prova de que Matt – que veio a Lisboa apresentar o seu novo livro de receitas Delicioso, Fácil, Rápido (Casa das Letras) – aprende muito, e rapidamente, quando o tema é a comida. “Adoro comer e conversar sobre comida.” Como em Portugal – e, de resto, um pouco por todo o mundo – as pessoas o reconhecem, ele tira partido disso para satisfazer a sua enorme curiosidade. “Vêm ter comigo, dizem olá e eu aproveito logo para perguntar: o que é isto, o que é que está a comer? Qual é o segredo destas batatas?”
Quando o encontramos em Lisboa vem de umas férias no Algarve, na zona de Tavira, que descreve como uma autêntica descoberta. Apesar de ter visitado Espanha várias vezes, ainda não conhecia Portugal. “Tenho dois amigos que são apaixonados por Lisboa há já dez anos e que não paravam de me dizer ‘tens de vir, as coisas vão mudar’.”
Agora, veio finalmente, primeiro para o Algarve e depois para Beja. Confessa que as ideias muito básicas que tinha sobre Portugal – “sardinhas, fado e carne com marisco” – foram totalmente ultrapassadas pela constatação de que a cozinha portuguesa é muito mais complexa e variada do que imaginava – mesmo conhecendo alguns restaurantes portugueses na Austrália. Dá grandes gargalhadas ao contar que sempre que postava alguma coisa no Instagram recebia imensos comentários dizendo “Ah, sim, isso é bom, mas tem é de provar não sei o quê”. Essa característica portuguesa de achar que o melhor está sempre noutro lugar ao qual ele ainda não chegou diverte-o muito.
Por isso, apesar de inúmeros conselhos para que visitasse também o Norte do país, o Porto, o Douro, decidiu que isso ficará para outra viagem. Não queria andar a correr, e preferiu, desta vez, dedicar-se a conhecer mais profundamente o Sul. Não é por acaso que “migas” é uma das palavras que decorou. Está fascinado com a cozinha alentejana, as migas, as açordas, a capacidade de fazer pratos tão saborosos com ingredientes tão simples. “As migas são uma religião, é pão, é alho, é coentros, espargos; é a nossa mãe, a avó, é tudo”, diz. “Tão simples, mas pode significar tanto.”
Antes do MasterChef, era um crítico de gastronomia com, admite, “um nariz mais empinado” relativamente à comida. Mas isso mudou ao longo do tempo que passou no programa televisivo – foram onze temporadas, até à recente saída dos três jurados, Matt, Gary Mehigan e George Calombaris, na sequência da polémica envolvendo a notícia sobre os ordenados baixos pagos por Calombaris aos funcionários dos seus restaurantes.
“Quanto mais tempo passava no MasterChef, mais gostava de comida de rua”, confessa. “Ir a um sítio de tacos na Cidade do México, encontrar um tipo a grelhar sardinhas, comer com as mãos e ficar com elas todas engorduradas.” Em Portugal, mesmo tendo jantado no Alma, de Henrique Sá Pessoa, e (no momento em que conversámos) ter planos para ir ao Feitoria e ao Belcanto, não consegue esquecer a carne de porco “só grelhada, com sal”, que comeu em Beja, um “arroz de tamboril, com a leveza do molho de tomate”, uns filetes de peixe-aranha que lhe serviram na ilha da Culatra, “os figos deliciosos, as nectarinas extraordinárias, os queijos…”.
Não renega a alta-cozinha, mas gosta sobretudo quando nos restaurantes mais caros reconhece, no trabalho dos chefs, essa ligação com os sabores genuínos desse país – “quando fecho os olhos e tenho a certeza de que não posso estar noutro lugar senão em Portugal”.
Poder-se-ia dizer que todas as figuras públicas que vêm a Portugal dizem duas ou três coisas sobre a comida do país, como simpatia e para mostrar que prestaram alguma atenção. Mas Matt Preston parece tão genuinamente entusiasmado que acabamos por ter a sensação de que somos nós que estamos aprender com ele.
Fala do pastel de Tentúgal, declara a sua paixão por pão-de-ló, “sobretudo no dia seguinte”, o seu fascínio pela criatividade da doçaria conventual, descreve com sensualidade a textura do linguado com comeu na Fuzeta, sente-se em casa com “esses homens de grandes bigodes e cervejas pequenas” porque ele próprio é um fã das minis. “Estou obcecado com a mini, é tão engraçado, descobri que muitas coisas aqui são semelhantes às que existem em Melbourne.”
Acha, aliás, que a cozinha popular portuguesa se aproxima bastante do que é hoje a cozinha na Austrália – “um belo pedaço de peixe, uma salada” –, onde se come muito menos carne do que acontecia no passado. “A Austrália baseava-se muito na produção de carne, era como uma fábrica gigante para a Grã-Bretanha, mas hoje, veja o meu livro, há muito mais vegetais e menos carne. Os velhos dias da carne e três vegetais, que eram o clássico prato australiano, já passaram.”
O MasterChef contribuiu para algumas mudanças, sem dúvida, diz. “Foi sobretudo influente na forma como introduziu um estilo de cozinha mais leve e mais rápido e na variedade de coisas que hoje estão disponíveis nos supermercados.” Reconhece, contudo, que há no programa alguma exigência técnica que nem toda a gente consegue atingir.
É por isso que, entre os planos que têm para o pós-MasterChef, Matt, George e Gary estão a pensar num programa “em que as coisas sejam menos técnicas”, possivelmente com maior ligação à comida de rua. Além disso, Matt vai continuar a escrever sobre o que come, a fazer livros de receitas e a viajar pelo mundo para descobrir coisas novas. A Portugal voltará certamente, para conhecer o Norte, mas também, diz num sussurro, para regressar àquele cantinho do Algarve que o encantou.
O MasterChef faz parte do passado (o concurso vai continuar, mas com novo júri), mas será sempre uma boa recordação. No início, recorda Matt, a televisão queria que eles fizessem caras de maus para acrescentar drama ao programa. “Se vir no YouTube, na primeira promoção que fizemos estávamos com cara de maus. Mas o que todos nós queríamos era ser o juiz bom, às vezes ficávamos um bocadinho refilões, mas quando a nossa mãe nos traz a comida, não criticamos a nossa mãe, nunca. Dizemos-lhe que está delicioso e depois, se calhar, damos-lhe um livro de receitas pelo Natal. Nós queríamos um programa que fosse sobre amor e apoio. Todos nos diziam que seria um desastre. Pensámos que duraria dois meses.”
Durou onze anos e tornou-os os mais populares jurados de qualquer MasterChef em qualquer outro país – em Portugal, o programa é transmitido pela SIC Mulher. A intuição que tiveram estava certa. Era isso que os espectadores queriam ver. “Recebíamos cartas da Índia ou de Portugal a dizer que gostavam de nós porque apoiávamos os outros, respeitávamos as pessoas. Já há drama suficiente numa cozinha com as facas, o vapor e o fogo, sem termos de ir para ali com cara de maus.”
Assim, em vez do mau feitio, Matt, do alto dos seus 1,92m, tornou-se notado pelas suas roupas extravagantes. No final da entrevista, quando se está a despedir, posa mais uns instantes para as fotografias e ri-se das calças que está a usar – às riscas verdes e brancas. E, apesar de haver mais jornalistas à espera, não podemos sair dali sem ver a outra versão, com riscas vermelhas. “Dizem-me que pareço um palhaço.” Nós falamos-lhe das barracas de praia em Portugal. Mas isso fica para a próxima viagem que aqui fizer, entre uma ida ao Douro e um salto ao Algarve para matar saudades do peixe grelhado.