As 35 horas tornaram-se uma vaca sagrada
Ninguém consegue entender por que razão uma administrativa de uma empresa há-de trabalhar oito horas por dia quando uma administrativa do Estado só trabalha sete.
Há pouco mais de três anos, quando se soube que a redução do horário de trabalho na função pública para 35 horas semanais iria obrigar à contratação de 2850 funcionários para a Saúde, Rui Rio e Assunção Cristas aproveitaram a oportunidade para denunciar ao país a natureza de um país perdulário e desgovernado. Os portugueses “precisam de trabalhar muito” para chegar aos níveis dos países mais ricos, notou a líder do CDS; as 35 horas surgem “por necessidade político-partidária e não por estratégia de gestão da administração pública”, sublinhou Rui Rio, garantindo que o país pagaria um “preço elevado” pela aventura.
Rui Rio acertou: a factura de uma medida que foi prometida sem custos obrigou à contratação de milhares de funcionários e agravou em muitas dezenas de milhões de euros os encargos fixos do Estado. Mas, perante esta realidade, o que fizeram Assunção Cristas e Rui Rio nos seus programas eleitorais? Zero. Vão deixar tudo como está.
As 35 horas da função pública e o unanimismo cínico que se gerou em torno da sua preservação é uma metáfora do país. Na Europa só cinco países têm em vigor esta política, todos mais ricos, todos com menos problemas de competitividade. Mas não é só pelo facto de ser um “luxo de país rico”, como a considera o Fórum para a Competitividade, não é apenas por implicar um custo acrescido a um orçamento que ora se equilibra com cativações, ora com cortes no investimento, ora com poupanças drásticas na gestão dos serviços do Estado que a lei das 35 horas é perversa.
É-o fundamentalmente porque, ao estatuir uma diferenciação entre a carga horária do público e do privado, e até no seio dos próprios funcionários públicos, cria uma imagem perigosa de privilégio para os funcionários públicos e consagra a ideia de que não somos todos iguais perante a lei.
Por muitos esforços que o Governo e os parceiros à esquerda façam em defesa da lei, ninguém consegue entender por que razão uma administrativa de uma empresa há-de trabalhar oito horas por dia quando uma administrativa do Estado só trabalha sete. Era por isso expectável que os partidos da direita defendessem às claras aquilo que muita gente do PS defende em surdina: que a lei das 35 horas é financeiramente supérflua e moralmente censurável.
Não o fizeram e nós sabemos porquê: pela mesmíssima “necessidade político-partidária” que Rui Rio denunciou em 2016. Estamos em eleições e, pelo seu número, os funcionários públicos são uma espécie de vaca sagrada a que ninguém quer desagradar.