Elisa Ferreira, o rosto português da União Bancária, vai ser comissária europeia
A vice-governadora do Banco de Portugal destacou-se enquanto eurodeputada na definição dos principais pilares do mecanismo único de supervisão, ainda por concluir. Mas também em áreas fiscais. Agora, deixa um vazio no Banco de Portugal.
A construção da União Bancária foi um dos temas acompanhados por Elisa Ferreira, escolhida por António Costa para comissária europeia, nos últimos anos em que esteve no Parlamento Europeu.
O primeiro-ministro escolheu a ex-ministra para comissária europeia e já o comunicou à nova presidente da comissão, Ursula von der Leyen, disse à Lusa fonte oficial do gabinete de António Costa. Segundo a mesma fonte, oportunamente a presidente eleita da Comissão Europeia comunicará a pasta atribuída à futura comissária portuguesa.
Em 2014, quando já estava operacional a supervisão única centrada no Banco Central Europeu (BCE), Elisa Ferreira foi a relatora da proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho Europeu que estabeleceu as regras de resolução das instituições de crédito no quadro do Mecanismo Único de Supervisão. Eram então desenhadas as regras da União Bancária que vieram a pôr de pé, desde 1 de Janeiro de 2016, o “resgate interno” dos bancos em risco de colapso, chamando os accionistas e credores a assumir prejuízos (e abrindo a possibilidade de serem imputadas perdas aos depositantes acima de cem mil euros).
O protagonismo que então ganhou como relatora e representante do Parlamento nas negociações com os governos da União Europeia valeu-lhe um reconhecimento quer dentro do Parlamento, quer da Comissão Europeia, quer até do então executivo de Passos Coelho. Um reconhecimento que agora será um trunfo no processo de selecção da próxima equipa de comissários europeus.
“O sistema bancário é europeu em vida e nacional na morte”
A economista, de 63 anos, foi eurodeputada entre 2004 e 2016, tendo regressado a Portugal, para aceitar primeiro o cargo de administradora e, depois, de vice-governadora do Banco de Portugal (BdP), em Setembro de 2017. Desde então, tem assumido algumas das pastas mais relevantes do supervisor da banca, embora sempre na sombra do governador Carlos Costa e regularmente citada como sua possível sucessora, juntamente com o outro vice-presidente do BdP, Luís Máximo dos Santos.
No início deste ano, voltou a comentar aquele que foi o seu principal legado na Europa, a União Bancária, para sublinhar, em tom de crítica, que “o sistema bancário é europeu em vida e nacional na morte”, durante a sua intervenção na conferência Para onde vai a Europa?, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
“Fizemos muitos progressos na criação dos dois primeiros pilares da União Bancária, mas a vontade política de completar a União Bancária foi perdendo força”, acrescentou, antes de deixar um aviso: “À medida que as condições económicas melhoraram, criou-se uma falsa sensação de segurança quando ainda estamos a meio do caminho”. Uma referência ao facto de o último pilar da União Bancária – a criação de uma rede de segurança comum para os depósitos – ainda estar por implementar.
A polémica La Seda
Na qualidade de vice-governadora viu o seu nome envolvido numa das polémicas mais intensas dos últimos anos no sector financeiro, nomeadamente os créditos ruinosos da Caixa Geral de Depósitos que geraram perdas avultadas cobertas pelos contribuintes. Em especial, no caso de um dos clientes mais problemáticos, a La Seda, Elisa Ferreira viu-se forçada a esclarecer que não iria pedir escusa nas decisões do BdP relacionadas com este cliente especial, onde o seu marido, Freire de Sousa, teve um papel importante a determinada altura.
Este posicionamento aconteceu depois de o PSD ter questionado se mais algum administrador iria adoptar a mesma posição que Carlos Costa, que pediu escusa por ter sido administrador do banco público. A vice-governadora considerou, por seu turno, que “não existem razões” que influenciem a sua actuação relativamente à supervisão do banco estatal, esclarecendo, segundo o Jornal de Negócios, que “as competências e responsabilidades do Banco de Portugal, enquanto autoridade de supervisão, incidem directa e exclusivamente sobre as instituições financeiras supervisionadas”.
O Banco de Portugal revelou ao pormenor que, de acordo com a auditoria da EY a 15 anos de gestão da CGD, “a contratualização dos primeiros créditos concedidos pela CGD à Artlant [fábrica da La Seda em Portugal], de valor ainda reduzido, data de 7 de Maio de 2008, e foi a partir de 2010 que a exposição creditícia da CGD perante a Artlant aumentou significativamente”. Nesse sentido, “o marido de Elisa Ferreira, Fernando Freire de Sousa, deixou de ter qualquer envolvimento tanto na actividade dessa empresa como na actividade da sua participada em Portugal Artenius Sines (posteriormente Artlant) a partir de Abril de 2008”.
Voz influente no Parlamento
Nos últimos meses, o nome de Elisa Ferreira tem sido citado com regularidade sempre que se abre uma vaga num alto cargo do sector financeiro, desde o Banco Central Europeu até ao Mecanismo Único Europeu, passando pela subida ao lugar de topo do próprio Banco de Portugal, sobretudo quando Carlos Costa esteve sob forte pressão para abdicar na sequência dos vários casos polémicos da banca portuguesa. Agora, a saída de Elisa Ferreira deixa em aberto esse processo de sucessão e mexe nos equilíbrios de topo do supervisor da banca.
Ao longo do seu percurso como eurodeputada, entre Bruxelas e Estrasburgo, foi-se tornando uma voz influente no Parlamento, assumindo protagonismo crescente na comissão dos Assuntos Económicos e Monetários no segundo mandato. No meio da crise das dívidas soberanas na zona euro, foi uma das impulsionadoras (não a única) da investigação lançada pelo Parlamento ao funcionamento dos programa da troika na Grécia, Irlanda, Portugal e Chipre.
No rescaldo do escândalo fiscal do LuxLeaks – revelado pelo mesmo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) que entretanto lançou os Panama Papers –, foi criada no Parlamento Europeu uma comissão especial contra as práticas fiscais agressivas dos países europeus, a TAXE. Aí, Elisa Ferreira viria a ser (com o eurodeputado alemão Michael Theurer, dos liberais) co-autora do relatório contra as práticas fiscais agressivas na União Europeia.
O documento, resultado do sempre difícil equilíbrio entre os grupos parlamentares, não propõe uma harmonização fiscal na UE, uma questão de difícil consenso. A linha de intervenção, como chegou a defender a eurodeputada em Estrasburgo, foi a de pressionar a Europa a “garantir que os impostos directos sobre os lucros das empresas são calculados de acordo com métodos comuns, que as empresas multinacionais prestam contas publicamente de informações essenciais em cada um dos países onde operam” e que as administrações fiscais têm acesso ao conteúdo dos acordos fiscais assinados entre as autoridades tributarias e as empresas. Um tema que voltou a ganhar destaque com a investigação do caso Panama Papers.
Ministra de Guterres, candidata à Câmara do Porto
Licenciada em Economia pela Universidade do Porto em 1977, Elisa Ferreira tem um mestrado e um doutoramento pela Universidade de Reading, em Inglaterra, (1981 e 1985). Foi ministra dos governos chefiados por António Guterres, primeiro do Ambiente, entre 1995 e 1999, e depois do Planeamento, entre 1999 e 2002.
Foi também vice-presidente executiva da Associação Industrial Portuense (1992-1994) e vice-presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte (1989-1992), entidade que integrou em 1979.
Entre 1989 e 1992, desempenhou funções de vogal do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Estatística. Foi também docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Em 2005 foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Em 2009 foi ainda candidata pelo Partido Socialista à presidência da Câmara do Porto, tendo perdido as eleições para o Rui Rio, do PSD.
Primeira comissária portuguesa
Quando assumir o cargo de comissária, Elisa Ferreira torna-se na primeira mulher portuguesa a assumir essa função (e a segunda pessoa ligada ao Partido Socialista, depois de António Vitorino). De resto, desde a adesão - em 1986 - até agora só houve cinco portugueses com assento no topo da Comissão Europeia. O primeiro foi António Cardoso e Cunha (PSD) entre 1986 e 1993, primeiro com a pasta das pescas e depois com a das empresas, comércio e turismo.
Depois, seguiu-se João de Deus Pinheiro (PSD), que foi comissário europeu entre 1993 e 1999. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva ficou com a pasta da cultura e comunicação, seguindo-se depois a das relações com África, Caraíbas e países do Pacífico (ACP).
Deus Pinheiro acabou por dar a vez a António Vitorino, tendo o antigo ministro de António Guterres tutelado a justiça e os assuntos internos até 2004, ano em que se deu a entrada de Durão Barroso, com o antigo primeiro-ministro social-democrata a assumir a presidência da Comissão Europeia durante dois mandatos (entre 2004 e 2014). Foi então a vez de Carlos Moedas (PSD, foi secretário de Estado Adjunto de Passos Coelho), que, nos últimos cinco anos, foi comissário europeu para a investigação, ciência e inovação. com Lusa