No Montenegro não há ressentimentos com o passado
O leitor Miguel Silva Machado leva-nos ao Montenegro: banhado pelo Adriático, é um país montanhoso com muitas áreas verdes. “O turismo recomenda-se”.
Zoran, 58 anos, antigo pescador agora dono de táxi-barco, nascido na Stari Grad (cidade velha) de Budva, no Montenegro, é falador e não tem dúvidas. O regime de Tito tinha coisas boas, e dá exemplos locais: “Hotéis para trabalhadores de empresas estatais que assim os recompensavam.” Depois aponta para a ilha de São Nicolau: “Aquilo chamávamos Havai, agora está cheia de praias privadas, antes era uma reserva de caça e lazer criada por Tito que aqui trazia muita gente importante de todo o mundo”.
Continuamos a navegar na baía de Budva, as praias estão apinhadas, umas têm acesso livre mas as maiores são concessionadas, equipadas com camas e chapéus-de-sol, bares de apoio, casas de banho e chuveiros. A maioria dos turistas que vimos (em Julho passado) eram montenegrinos, muitos sérvios, russos e bósnios. Mal se ouviu falar inglês. A oferta é muito diferenciada em termos de preços, quer nas praias, quer na restauração, a maioria está ligeiramente mais barata do que em Portugal.
Zoran relembra os tempos em que a construção era bem menor – navegamos junto aos Dunkley Gardens, luxuoso complexo de apartamentos bem inserido na paisagem, o que não é geral – o desenvolvimento do turismo também aqui está a atrair cada vez mais gente e mais dinheiro. Sveti-Stefan, a belíssima península reconhecida mundialmente, é actualmente toda ela propriedade de uma luxuosa cadeia internacional de hotéis, à qual só se tem acesso pagando para visitar (20€) ou sendo cliente. Mesmo só para ver “por fora” vale a pena, um par de euros pagou o autocarro em Budva, o Mediteran Express, e sempre fomos ver as praias que envolvem a península e fazer umas fotografias com este cenário em fundo.
Zoran deixa-nos em Bečići, baía com dezenas de praias concessionadas, e onde os divertimentos ligados à praia não param todo o dia, do jet-sky ao parasailing, os parapentes, esses, descolam lá alto das montanhas que envolvem a costa e pairam sobre nós. Este é um país montanhoso com muitas áreas verdes – numa comparação possível será a nossa Arrábida, mas muito maior. Bečići é bem mais calmo do que Budva, em cujas praias os bares competem com estridentes festas todas as tardes.
Em Porto Montenegro, a luxuosa marina alberga alguns dos iates mais impressionantes que navegam pelo Adriático e no Naval Heritage Collection visitamos um antigo submarino da Marinha Jugoslava. Bem perto, mas aqui o trânsito nas estradas junto à costa é muito intenso, a distância mede-se em tempo e não em quilómetros, fica a cidade fortificada de Kotor, classificada pela UNESCO. Muito bonita, sem dúvida, mas com a sua dose excessiva de restaurantes e lojas de recordações. Valeu a visita, quer pelas muralhas quer pelas igrejas, e seguimos depois, com mão firme no volante, pela Serpentine Road até Njeguši, a 900m de altitude. É uma estrada estreita e com muitas curvas “em cotovelo” mas a vista sobre a ria de Kotor é inesquecível. Uma sugestão: vá parando quando puder para ver a vista e não espere pelo topo, lá mesmo no alto perde-se muito da paisagem.
Cetinje, a antiga capital real, é hoje uma cidade dedicada à história e à cultura, onde estão concentrados os principais museus do país, um conjunto designado Museu Nacional do Montenegro. Aqui tanto vemos a Praça da Revolução, bustos e placas em memória dos guerrilheiros comunistas que combateram os nazis e os fascistas, alemães, italianos e locais, como uma enorme estátua de Ivan Crnojevic, um dos primeiros heróis da região que combateu os otomanos no século XV. Este respeito pelo passado monárquico e depois socialista, bem diferente do presente – o Estado actual define-se como republicano, democrático, ecológico e onde há justiça social e o primado da lei – também pode ser constatado na principal porta de entrada de Kotor, onde uma frase de Tito e o escudo da República Socialista Federal da Jugoslávia convivem com a actual Bandeira Nacional da República do Montenegro. Não parece haver ressentimentos com o passado e o turismo recomenda-se.
Miguel Silva Machado