Primeiro dia de greve com pouca adesão de motoristas termina com requisição civil cirúrgica
Fosse por causa de “serviços máximos” ou de “adesões mínimas” a greve dos motoristas demorou a ter impacto, com sindicatos a falarem com vozes desencontradas durante o dia. A manhã decorreu com normalidade, mas ao fim da tarde o Governo disse-se obrigado a avançar para a requisição civil para colmatar as falhas nos cumprimentos dos serviços mínimos.
O primeiro dia de greve dos motoristas de mercadorias e de matérias perigosas começou com pouca adesão de trabalhadores, mas, ainda assim, terminou com uma requisição civil cirúrgica, decretada pelo Conselho de Ministros. A luta laboral fez-se junto aos piquetes de greve – onde eram visíveis bem menos trabalhadores do que aqueles que se viram em Abril - mas também na estrada, com alguns motoristas a encostarem os camiões à berma, alegando estar a cumprir a lei e o seu horário de trabalho. Mas esta luta fez-se, e muito, pelas televisões e através de comunicados, com trocas de acusações ao longo de todo o dia entre os representantes dos sindicatos e o porta-voz da Antram (Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias). Ao final do dia, prevaleceu a palavra final do Governo e a requisição civil, que vai permitir ver militares a conduzir camiões de combustível. E fica a expectativa de perceber até quando vai durar este braço-de-ferro.
Ao longo de um dia muito tenso, sobretudo junto aos piquetes de greve – mas que decorreu com a maior das normalidades em muitos pontos do pais – os motoristas mostraram que não estão completamente unidos e os sindicatos foram revelando estratégias distintas no apelo à adesão à greve. Com os focos de atenção todos virados para os motoristas de matérias perigosas, estes mostraram, ao longo do dia, que tinham outras munições guardadas. Depois de terem avisado que não pretendiam fazer cargas e descargas - e de essa “arma” lhes ter sido retirada com o despacho de serviços mínimos assinado pelo Governo – os motoristas de matérias perigosas optaram por cumprir o horário de trabalho de forma escrupulosa - não fazendo horas extraordinárias e parando o veículo sempre que a lei ditava descanso aos camionistas.
Foi assim que o porta-voz do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), Pedro Pardal Henriques, explicou porque é que chegaram menos camiões-cisterna ao destino, levando perturbações ao aeroporto e a alguns postos de abastecimento da REPA (Rede de Emergência de Postos de Abastecimento). “Os carros que saíram para o aeroporto foram escoltados daqui desde o início da manhã [as declarações foram feitas em Aveiras, junto à CLC-Companhia Logística de Combustíveis), todos os motoristas que eram para fazer os serviços saíram daqui escoltados e fizeram oito horas. Agora, se foram escalados para fazer quatro viagens e só fizeram três, porque para o horário de trabalho de oito horas só era possível fazer três viagens, se calhar foi isso que aconteceu”, referiu Pardal Henriques. Estas declarações foram feitas momentos antes de se confirmar a requisição civil por parte do Governo, e também nesse momento Pardal Henriques não se coibiu de lançar mais achas para a fogueira: “Agora só nos falta que o Governo faça uma requisição a obrigar os motoristas a trabalhar, de borla, para além do seu horário de trabalho”, protestou.
O porta-voz e advogado do SNMMP foi, sem grande surpresa, o protagonista do dia, desdobrando-se em denuncias e acusações à forma como os trabalhadores estavam a ser pressionados pelas empresas para pegar nos camiões e trabalhar. Em declarações aos jornalistas em Aveiras de Cima, Pardal Henriques dizia que, afinal, a requisição civil já tinha avançado. “Está tudo preparado para que os serviços mínimos sejam de 100%. Os trabalhadores estão a ser pressionados por todos os lados”, disse o advogado, que chegou a avisar que os trabalhadores iam deixar de cumprir os serviços mínimos. “Os que estão na estrada e forçados a trabalhar vão regressar e juntar-se a nós neste piquete de greve. E gostava que outros trabalhadores de Portugal que se revêem nesta luta também se juntassem a nós”, afirmou.
Em Matosinhos, o presidente do Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM), Jorge Cordeiro, dizia que os seus trabalhadores estavam a cumprir esses serviços mínimos, e que era para continuar a fazê-lo. Jorge Cordeiro e Pardal Henriques passaram o dia sem falar. Cada um com a sua luta – e o SIMM quis deixar desde logo claro que a deles era cumprir a lei e não entrar em apelos para o incumprimento.
Momentos mais tarde, Pardal Henriques voltou atrás, e aos jornalistas voltou a dizer que os motoristas de matérias perigosas iam cumprir a lei e executar os serviços mínimos. Mas a declaração já estava feita.
Ao final da manhã, quando António Costa fez a primeira conferência de imprensa à saída de uma reunião na Protecção Civil, aonde se foi inteirar da forma como estava a decorrer a greve, o primeiro-ministro começou por dizer que os serviços mínimos estavam a ser integralmente cumpridos, pelo que tinha desconvocado o Conselho de Ministros que estava preparado para, por via electrónica, decretar a requisição civil. “Mas”, avisava o primeiro-ministro, “mesmo com o cumprimento integral dos serviços mínimos, a população vai sentir as perturbações”. E elas começaram a sentir-se durante a tarde.
Serviços máximos ou adesão mínima?
As primeiras horas de greve, seja qual for o sector, são fundamentais para perceber o desenrolar da história e antecipar o desfecho da batalha. E as primeiras horas de greve desta luta conjunta de SNMMP e de SIMM não correu da melhor maneira. As notícias que surgiam falavam da normalidade de abastecimento e Anacleto Rodrigues, porta-voz do SIMM, reparava que os serviços mínimos tinham taxas de aplicação elevadas, que os motoristas estavam a cumpri-los. Mas também admitia que a adesão à greve não estava a ter a força que os sindicatos desejavam. “Preferíamos ter mais motoristas aqui do nosso lado, junto dos piquetes. Mas a pressão é muita, e há sempre quem esteja disponível para trabalhar”, explicava. José Flores, motorista afecto ao SIMM, dizia ao PÚBLICO que nesta greve estavam “motoristas contra motoristas, e legalidade contra ilegalidade”. “Os que aceitam trabalhar estão a ser coniventes com os patrões e com a fuga fiscal que estes fazem, sem que o Governo nada faça”, criticava.
Em Aveiras, os motoristas de combustíveis manifestavam desalento pela fraca adesão e pelo facto de estarem a ser ultrapassados por outros profissionais. “Não esperávamos isto, estamos a ser atraiçoados”, dizia um. “Vinha para trabalhar às dez da manhã, para fazer serviços mínimos, mas já não tinha carro, está com outro motorista”, lamentou outro. Ao PÚBLICO, o porta-voz da Antram chegou a revelar a chegada à associação de emails de motoristas que não pertenciam às empresas e que se ofereciam para trabalhar durante a greve. Foram vários os relatos de motoristas que, durante o dia, diziam que não conheciam as pessoas que estavam a conduzir os camiões.
A alegada proximidade de posições entre o Governo e a Antram, de que os sindicatos tantas vezes falaram ao longo desta crise, foi desmentida pelo porta-voz da associação dos patrões. André Matias de Almeida sublinhou que o Governo não estava a seguir os pedidos da Antram, que apelou à requisição civil preventiva ainda a greve não tinha começado. “O Governo percebeu que teve de avançar com a requisição civil, mas fê-los apenas para algumas empresas e algumas áreas”, afirmou. Durante o dia, André Matias de Almeida chegou a dizer que Pedro Pardal Henriques tinha de ser afastado do SNMMP, porque era impossível voltar a sentar à mesa das negociações quem toma posições tão extremadas. Matias de Almeida diz que o sindicato faz acusações graves das quais nunca mostra provas. Pardal Henriques diz que foi durante a tarde entregá-las à Direcção-Geral do Emprego e das Relações de trabalho, junto da qual têm decorrido as negociações.
Ninguém consegue antever um desfecho nem prazos para esta crise. Os sindicalistas em greve dizem que os efeitos do protesto só se vão sentir a sério dentro de um ou dois dias – “Todos tiveram tempo para se preparara para a crise. Os supermercados fizeram stocks, os portugueses abasteceram-se, os efeitos vão-se sentir-se devagar”, admitia Jorge Cordeiro, do SIMM, apostado em manter a luta e fazer valer os argumentos dos motoristas. O anúncio da requisição civil trouxe alguma revolta e a manifestação de repúdio por parte de outros sindicatos e também da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), à qual é afecta a Fectrans, a federação que na próxima quarta-feira tem mais uma ronda negocial com a Antram.