Desolados à porta da greve
Pardal Henriques reconhece que o Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas nunca teve o controlo das escalas para os serviços mínimos.
“Estão todos contra nós”, desabafa, ao PÚBLICO, na manhã desta segunda-feira um integrante de um piquete de greve na rotunda de acesso ao Centro de Logística de Combustível (CLC) de Aveiras de Cima. O “nós” são os camionistas que responderam à convocatória dos sindicatos de Matérias Perigosas e Independente de Mercadorias. O “todos”, esclarece o motorista que reservou a identidade, são a ANTRAM, a patronal do sector, e o Governo. Pela forma como organizaram os serviços mínimos nas empresas e pelos níveis impostos. Estão desolados à porta da greve.
São cerca de 30, liderados pelo vice-presidente e assessor jurídico Pedro Pardal Henriques, os concentrados de coletes florescentes atrás de grades e de três GNR. Estiveram nesta manhã de segunda-feira a ver passar colunas de camiões cisternas escoltados a caminho do aeroporto Humberto Delgado e outros destinos de reabastecimento. Foi um desfile incessante de cisternas de gás, gasóleo, gasolina e de algumas cargas de botijas.
Cada coluna de camiões que sai do CLC provoca uma sensação de perda. “Esperávamos mais gente, há 26 anos que trabalho nos combustíveis, mas não sou dos que está pior, trabalho 12 horas”, admite o único que dá nome, Aurélio, e apelido, Frazão, ao seu testemunho.
Sob anonimato, outro profissional confessa: “Não esperávamos isto, estamos a ser atraiçoados, estávamos aqui prontos para começar com os serviços mínimos.” Admitem a surpresa, têm a noção de que foram ultrapassados. “Vinha para trabalhar às dez da manhã, para fazer serviços mínimos, mas já não tinha carro, está com outro motorista”, lamenta mais um.
Estão cansados, alguns estão desde as zero horas no protesto que o tempo desgastou e tornou em vigília. Uns sentam-se à sombra debaixo da ponte da estrada que conduz ao Cartaxo e esperam a hora de almoço. Fica um grupo junto às grades que se manifesta quando saem camiões carregados.
“É ele, é ele, porco”, gritam à passagem dos pesados. É uma coluna de 11 veículos, encabeçada por batedores, e que, por ser extensa, tem dois carros da patrulha da GNR. “Palhaço”, vocifera outro membro do piquete. “Esse gajo é um parvalhão”, comenta um terceiro entre uma orquestra de assobios.
“Deve pensar que não sabemos quem é”, ironiza outro ainda, por um dos motoristas ter puxado a cortina lateral da cabina para não ser reconhecido. “Rancor, eu? nem pensar, é a vida”, desabafa à pergunta de como vai ser quando o encontrar noutra situação.
Não há gestos bruscos ou intenção de saltar as grades. Nem há tensão, até porque é impossível a aproximação aos camiões em movimento. O dispositivo visível em Aveiras de Cima é mínimo e os jovens guardas estão tranquilos. Como, sem sobressalto, decorre a reentrada dos veículos e motos de escolta quando regressam à CLC para encetarem nova viagem.
“Oh doutor, estão a ser pressionados”
O dispositivo passou-lhes, literalmente, por cima. “Nem um passo atrás, assim é que é rapaziada”, gritam, quando seis motoristas deixaram os camiões parados no parque de entrada e se juntaram ao piquete de greve. Do outro lado da rotunda, numa colina asfaltada, estão estacionados duas dezenas de veículos. Duas horas depois, são muito menos. Estão a trabalhar.
“O balanço é extremamente negativo”, admite Pardal Henriques. De blusão negro, jeans, uma garrafa de água a sair-lhe do bolso, o porta-voz do sindicato não dá nada por perdido. “As pessoas estão tão saturadas de ser maltratadas que não têm medo de um crime de desobediência”, garante, referindo-se à requisição civil.
Situação extrema que, pelo cumprimento dos serviços mínimos, à mesma hora o primeiro-ministro descartava. “Todos os camiões estão com os dísticos de prioritários, neste momento o país está servido a 100%”, observa, com ironia, o assessor jurídico. De Lisboa a Aveiras de Cima a manhã decorreu ao ritmo normal do tráfego de camiões. No sentido inverso, o fluxo era regular.
A estratégia sindical foi derrubada. “Não perdi o controlo, nunca nos deram o controlo, o que é diferente”, comenta ao PÚBLICO o vice-presidente do sindicato. Refere-se às escalas dos serviços mínimos que ultrapassaram os 25% propostos pelo sindicato. “Estão a pagar até mil euros, as pessoas estão a ser pressionadas, não podemos tolerar isto”, afirma da colina fronteira onde decorrem conversas com os motoristas.
Sob a ponte da estrada que leva ao Cartaxo, há motoristas que fazem o balanço. Não da greve, que não há vontade. Mas da vida. Não dizem o nome, alegam medo de represálias. Mas querem falar. “Estive na Opel da Azambuja, depois meti-me nisto”, refere um: “Até agora não passei fome.”
Há quem diga que a ANTRAM está a pressionar a APETRO [Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas] para haver um aumento do preço do frete. Um homem de 37 anos admite emigrar. Outro explica que, quando o tacógrafo obriga a paragens, continuam a trabalhar nas cargas e descargas. Sem nome e com o descrédito de que a sua versão seja publicada. “Você não vai lá pôr isto”, desafia.
“Isto como está… não sei se vale a pena continuar”, diz, olhos no chão, um motorista de mercadorias sobre a greve por tempo indeterminado. Foi no conhecido como Parque do Moinho, a dois quilómetros da CLC, que assentou o Sindicato Independente de Mercadorias. “Está muito abaixo, então na carga geral…”, reconhece outro. “Vamos continuar”, contrapõe o dirigente Anacleto Rodrigues.
São as mesmas dúvidas que em Aveiras de Cima. “Oh doutor, estão a ser pressionados”, grita um motorista para Pardal Henriques. “Gonçalo Paulo Duarte [presidente da ANTRAM] está a pressionar os trabalhadores que não estão escalados”, comenta o assessor jurídico. Debaixo da ponte, o homem que veio da Opel da Azambuja continua a relatar uma vida de dificuldades.