Obiang exibe a força do regime ao fim de 40 anos de poder na Guiné Equatorial
O Presidente chegou ao poder via golpe de Estado em 1979 e desde aí que violações dos direitos humanos são “sistemáticas e diárias” no pequeno país da África Ocidental.
Revoltado com a morte de membros da sua família, o então tenente-coronel Teodoro Obiang Nguema liderou uma facção dos militares que há 40 anos depôs Francisco Macías Nguema, o seu tirânico tio. Fuzilou-o num teatro dois meses depois e desde então governa a Guiné Equatorial com mão de ferro. Não se sabe muito sobre o que se passa no pequeno país na África Ocidental, onde os interesses económicos da família Obiang e do círculo mais próximo do poder se sobrepõem aos direitos mais elementares. O que se sabe é que as violações dos direitos humanos são “sistemáticas e diárias”, como denuncia a Amnistia Internacional.
Quando, nas ruas de Bata, Mongomo e Djibloho, milhares de pessoas participarem nas celebrações dos 40 anos de governo de Obiang, dezenas, senão centenas, de opositores e activistas de direitos humanos estarão em celas, sujeitos a tortura e espancamentos. Mas as comemorações vão expressar uma mensagem simples: o regime está “forte e continuará forte”, explicou ao PÚBLICO Ana Lúcia Sá, professora de Estudos Africanos e subdirectora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL. “A mensagem é a de ser um regime longevo, que a população quer, que salvou a Guiné Equatorial e que garante a paz contra as instabilidades que se vêem na região”, explicou a investigadora.
Porém, Obiang, de 77 anos, vê-se por vezes obrigado a olhar por cima do ombro. Desde que tomou o poder, diz ter sido alvo de “dez tentativas de golpe de Estado” – a última foi em Dezembro de 2017. Foram julgados 112 militares revoltosos no que a Human Rights Watch classifica como um “julgamento fantoche”, em que testemunhos obtidos sob tortura foram as principais provas. Foram condenados a penas que variaram entre os três e os 97 anos, entre os quais 25 deles a mais de 70 anos. Dois dos arguidos morreram em detenção, provavelmente por tortura prolongada.
Os golpes de Estado levaram, explica Sá, o chefe de Estado a procurar reforços no exterior. “Para a guarda presidencial, Obiang não contou com as forças nacionais, mas com marroquinas, em primeiro lugar, e mais recentemente com apoio israelita”. A guarda presidencial é a unidade de elite do regime e integra os seus mais fiéis seguidores, sejam ou não mercenários. É responsável por deter e torturar opositores e responde directamente a Obiang.
Pena de morte=controlo social
A repressão extravasa em muito os militares revoltosos. O regime tenta controlar a população usando métodos como tortura, execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias e ameaças contra qualquer pessoa que se oponha ao poder instaurado. “Estes são os métodos usados pelo Governo contra a sua população. Quando as pessoas que vivem no país o denunciam, as pessoas à sua volta ficam com medo por saberem o que se está a passar”, explicou ao PÚBLICO Marta Colomber, responsável sénior da Amnistia Internacional para a África Ocidental, sublinhando que “quem não concorda com o Governo torna-se um alvo”, inclusive crianças - em 2015, no seguimento de protestos, 300 foram detidas em suas casas e espancadas.
“A pena de morte é um instrumento de controlo social de que será muito difícil o regime abdicar”, explica Sá. Se assim é, como é que o país aderiu à CPLP? “Foi um caminho muito bem feito pelo regime e muito mal gerido pela CPLP. O regime fez tudo o que tinha de fazer para entrar, não cumpriu com as condições estipuladas e mesmo assim a CPLP admitiu-o”, explicou. “Obiang foi sempre muito hábil a pertencer a fóruns internacionais. A esse nível é bastante hábil”.
Há cinco anos que as autoridades de Malabo tudo fazem para adiar a abolição da pena de morte e, no mês passado, Obiang garantiu que a lei seria debatida no Parlamento em Setembro. Prometeu “influenciar” os deputados – 99 dos 100 assentos pertencem ao seu partido, o PDGE – para que a aprovassem - em 2006, o Parlamento aprovou uma lei a proibir a tortura e as forças do regime continuam a praticá-la contra activistas e opositores. Porém, não é de afastar a hipótese de se tratar de mais uma manobra.
Entre avisos e sinais de preocupação, os países lusófonos têm optado por uma diplomacia ténue, tentando levar o chefe de Estado de um país onde o espanhol é a língua falada pela maioria da população a mudar de ideias. Em 2014, a abolição da pena de morte era uma exigência da CPLP para o país aderir, mas, até hoje, vigora uma simples moratória - nove homens foram executados 13 dias antes do documento ser assinado.
A abolição da pena capital seria um exemplo de abertura de um regime que sempre recusou abrir-se à comunidade internacional, desde a sua independência do colonialismo espanhol, em 1968. Ainda assim, Obiang tem sido capaz de destacar a Guiné Equatorial no palco internacional utilizando duas valências: o petróleo e a posição geopolítica que o país detém, importante para a segurança marítima do Golfo da Guiné. E até usa a narrativa de ser um actor essencial no combate a movimentos extremistas na região.
Ao fazê-lo, protegeu-se de críticas de outros Estados por violação dos direitos humanos. “A Guiné Equatorial não é um Estado proscrito nem pária, bem pelo contrário”, disse Sá. “O país tem recursos naturais e há muitas empresas que vêem o país como objectivo económico sem pensar nas consequências para os direitos humanos”, complementa Colomber.
Se, por um lado, as violações de direitos humanos não figuram na agenda dos Estados com quem Malabo tem parcerias próximas, por outro, o Presidente e os seus familiares não têm escapado a críticas pela riqueza acumulada nas últimas quatro décadas. Hoje, Obiang é um dos Presidentes mais ricos de África, segundo a revista Forbes. E os Estados Unidos são o destino de parte da riqueza que se lhe conhece – a família depositou 632 milhões de euros em contas no banco Riggs, segundo um subcomité do Senado dos EUA, por exemplo.
A família enriquece, as perseguições continuam e o regime não dá sinais de enfraquecer. Obiang é o homem forte e nada acontece seu o seu aval, ainda que se discuta a sua sucessão nos corredores do poder na capital. O Presidente tem preparado o caminho para o seu filho e vice-presidente, Teodorin Obiang Nguema, de 51 anos, lhe suceder. No entanto, este não lhe tem feito a vida fácil e é conhecido por ser um playboy que gosta de luxos, vendo-se a braços com processos judiciais por gastar mais de mil vezes o seu salário anual oficial – um tribunal francês condenou-o a três anos de pena de prisão suspensa por desvio de fundos públicos para aquisição de mansão de luxo em França.
Mas há outros concorrentes à sucessão. Um deles é Gabriel Obiang Lima, de 44 anos e ministro de Minas e Hidrocarbonetos e filho de Obiang. “Dizem ser o preferido dos Estados Unidos e até da China por ser mais estável” que o seu meio-irmão, disse Sá. Mas se Gabriel conta porventura com apoio estrangeiro, Teodorin tem uma base doméstica de peso: “É bastante poderoso e filho da primeira-dama, uma pessoa também bastante poderosa. E tem o apoio do exército”.
O regime pode mudar de rostos e liderança, mas nada garante que os direitos humanos venham a ser respeitados no pequeno país da África Ocidental e as portas das celas com opositores e activistas abertas. Foi precisamente essa a esperança com o golpe de Estado de 1979. E saiu gorada.