Sindicância conclui que há motivos para dissolver órgãos da Ordem dos Enfermeiros. Bastonária diz que é vingança do Governo

O documento afirma que foram detectados gastos sem justificação da bastonária dos Enfermeiros e evidências da sua participação na “greve cirúrgica”. Bastonária diz que resultado da sindicância é uma vingança do Governo.

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A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco Nuno Ferreira Santos

A sindicância determinada pelo Ministério da Saúde à Ordem dos Enfermeiros (OE) conclui que há fundamentos para dissolver os órgãos da entidade liderada por Ana Rita Cavaco, segundo o relatório final da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

O documento, revelado esta sexta-feira no Jornal da Noite da SIC, afirma que foram detectados gastos sem justificação da bastonária dos Enfermeiros e evidências da sua participação na “greve cirúrgica” que estes profissionais realizaram no final de 2018 e início deste ano e que paralisou blocos operatórios em todo o país.

Contactado pela Lusa, o Ministério da Saúde apenas “confirma a recepção do relatório da IGAS, o qual está a analisar”. A Lusa procurou ouvir também a bastonária dos Enfermeiros, mas ainda não obteve resposta. Os resultados da sindicância serão enviados ao Ministério Público, existindo um relatório preliminar que já se encontra na posse da Polícia Judiciária.

A IGAS aponta a recusa da OE no acesso a documentação durante a sindicância, que encontrou armários fechados a cadeado na sede da entidade, mas, apesar disso, identificou vários gastos da bastonária que considera injustificados.

Entre os gastos, a IGAS refere seis mil euros em restaurantes, mais de três mil euros em levantamentos, cerca de cinco mil em compras no estrangeiro, quase oito mil em Via Verde e 70 mil em cartão de crédito, além de deslocações em viatura própria que rondavam em média 2.600 euros por mês, o que, segundo as contas da SIC, implicaria viagens de 400 quilómetros diários pagos a 36 cêntimos/quilómetro. O advogado da OE, também ouvido pela estação televisiva, disse que “tudo tem explicação lógica” que a IGAS não quis ouvir.

“Se a IGAS as quisesse [explicações], tê-las-ia, mas a IGAS obviamente não tem interesse em tê-las”, comentou Paulo Graça, acrescentando que a OE “não tem nada a esconder” e que as justificações poderiam ter sido obtidas em audiência prévia.

O relatório cita igualmente mensagens da bastonária nas redes sociais, que, segundo a IGAS, demonstram o seu envolvimento em actividade sindical que legalmente está proibida a uma ordem profissional. Também a este respeito, o advogado da OE observou que opiniões individuais estão salvaguardadas por direitos constitucionais e que o que é preciso provar é se essas opiniões vinculam a Ordem. Paulo Graça disse que cabe agora a um juiz validar a perda de mandato da bastonária e a dissolução dos órgãos da OE.

Ana Rita Cavaco tomou posse como bastonária em 2016 e o seu mandato termina este ano, tendo já anunciado que se recandidata ao lugar. Em 15 de Julho, a OE recusou-se a fornecer mais documentos no âmbito da sindicância ordenada pelo Ministério da Saúde sem pedido do tribunal, porque a considera ilegal.

A decisão da OE baseou-se num parecer do professor catedrático de Direito Constitucional e de Direito Administrativo Paulo Otero e num parecer do professor catedrático e especialista em questões do regime de protecção de dados Alexandre Sousa Pinheiro, que sustentam a posição da Ordem face à sindicância, de que “é ilegal”. “A sindicância para nós sem uma decisão do tribunal terminou, não iremos responder a mais nenhum e-mail, nem fornecer mais documentos, não iremos colaborar”, afirmou Ana Rita Cavaco em conferência de imprensa na sede da OE, em Lisboa, naquele dia.

A bastonária dos enfermeiros sublinhou então que se a IGAS ou a ministra da Saúde, Marta Temido, pretendessem “algum documento respeitante a esta ordem profissional”, a OE só colaboraria se houvesse uma ordem do tribunal.

A ministra da Saúde pediu em Abril à IGAS para realizar uma sindicância à OE, o que a bastonária considerou “uma atitude persecutória nunca antes vista”. Marta Temido justificou a decisão com “intervenções públicas e declarações dos dirigentes”, bem como “actividades realizadas pela Ordem e correspectivas prioridades de actuação” e ainda “a gestão da OE no que respeita às suas contas”.

Bastonária diz que resultado da sindicância é uma vingança do Governo

Em reacção às conclusões da sindicância, Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, diz que esta é "uma vingança do Governo” que já esperava. “É uma vingança do Governo, porque este Governo já demonstrou o que faz às pessoas de quem não gosta e que não gosta daquilo que dizem. Não sou caso único. O presidente da Câmara de Mação e o presidente de um sindicado da PSP, esta semana, são também caso disso. Este é o modus operandi do Governo e está à vista de todos”, afirmou à Lusa Ana Rita Cavaco.

À Lusa, Ana Rita Cavaco explicou que a OE não foi notificada do relatório final da sindicância nem de um “parecer-informação que a IGAS tinha emitido na semana passada que falava nas mesmas questões”.

“A única diferença entre o parecer-informação e o relatório final é que este conclui, na ótica da IGAS, que não tem poder nem competência para isso, que nós deveríamos perder o mandato”, explicou a bastonária, referindo que para isso precisam de “uma decisão judicial”. “Também não é nada de que não estávamos à espera”, adiantou, frisando que “o objectivo do Governo era a perda de mandato”.

Sobre a questão das despesas suscitadas no documento da IGAS, a dirigente salientou que “há três anos e meio”, desde que o actual mandato começou, que está “a levar com este tipo de suspeitas, infundadas”. “Todas estas despesas são correntes e normais. Olhando para aqueles valores, que são anuais, é absolutamente ridículo poderem configurar algum crime”, declarou, questionando: “Os inspectores [da IGAS] pensarão que vamos para os hospitais, centros de saúde ou congressos a nado?”.

Sobre os cartões de crédito, a bastonária garantiu que “não estão na posse de nenhum membro da Ordem dos Enfermeiros”, mas “trancados num cofre” e “usados exclusivamente por um funcionário”. “Nem a bastonária nem qualquer elemento da direcção tem os códigos dos cartões de crédito, nem os utiliza. São utilizados para comprar bilhetes de comboios e de avião ou reservar hotéis”, exemplificou.

Quanto às despesas de representação, Ana Rita Cavaco assegurou que “estão enquadradas legalmente” e rondam “300 euros por ano, não é nada mais do que isso”. Sobre questões financeiras, a bastonária assinalou que “correm já processos no Ministério Público”, pois “é sabido, público e notório” que teve de “demitir o director financeiro e uma vice-presidente da ordem por irregularidades financeiras”.

Classificando a IGAS como a “polícia do Governo” a quem não deve satisfação nem deu ou dará documentos sem ordem judicial, a dirigente da OE escuda-se em pareceres jurídicos segundo os quais a inspecção “não tem competência legal” para tal.

“A OE não está para a IGAS, mas está para o Ministério Público e para os jornalistas para mostrar os documentos todos”, adiantou, garantindo que vai continuar a apoiar as greves que “os sindicatos decretarem desde que sejam para defender a dignidade da profissão de enfermeiro”. “Querem assassinar-nos o carácter, mas para isso já vêm tarde, porque o estão a tentar fazer há três anos e meio”, considerou Ana Rita Cavaco.

Notícia actualizada às 23h43 com as declarações de Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros.