ERC dá razão ao PCP e diz que a TVI fez reportagem “sensacionalista” sobre genro de Jerónimo
Regulador diz que “é notório o enviesamento e a falta de isenção da TVI” na “formulação das perguntas aos dirigentes do PCP” e na forma como a reportagem está construída. E remete eventuais sanções aos jornalistas para a Comissão da Carteira.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social considera que a reportagem da TVI sobre o alegado favorecimento do genro de Jerónimo de Sousa nos contratos com a Câmara de Loures foi “marcadamente sensacionalista” e que não cumpriu com as obrigações legais do rigor informativo.
Na deliberação do regulador, a que o PÚBLICO teve acesso, o conselho considera que ficou “verificado” que o canal violou os deveres de “rigor e independência” e também a regra de difundir “uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção”, que lhe são impostos pela Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido. Decidiu também "sensibilizar a TVI para a necessidade de cumprimento escrupuloso dos deveres impostos em matéria de rigor informativo, rejeitando todas as formas de sensacionalismo” e remeter à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista estas conclusões para que esta entidade se pronuncie sobre o cumprimento dos deveres dos jornalistas que elaboraram as reportagens.
A ERC abriu um processo de averiguações sobre a reportagem da TVI emitida em Janeiro deste ano depois de duas queixas, uma delas do PCP, que questionavam a “ausência de rigor informativo”, consideravam que se estava perante um caso de “sensacionalismo” e alegavam a “violação dos deveres dos jornalistas”. O partido dizia mesmo que a TVI tinha protagonizado uma “operação” que visava “difundir uma campanha de suspeição, calúnia e insulto para atingir o secretário-geral do PCP e a sua honorabilidade”.
As denúncias até pediam à ERC que aplicasse uma “sanção" à TVI e aos autores da reportagem, conta o texto da deliberação. Mas o regulador responde que não tem competências de actuação disciplinar sobre a conduta dos profissionais do jornalismo no exercício da profissão e remete o assunto para a Comissão da Carteira.
A reportagem da TVI descreve a contratação de serviços prestados à Câmara de Loures, presidida pelo comunista Bernardino Soares, pelo genro de Jerónimo de Sousa. “A modalidade de adjudicação por ajuste directo é indicada como promovida pela ligação familiar do líder do partido”, descreve o relatório de visionamento feito pelo departamento de análise de media do regulador. Este relatório descreve detalhadamente os quase oito minutos e meio de reportagem, incluindo todas as imagens dos contratos, a descrição dos trabalhos e os valores envolvidos, assim como as respostas dadas aos jornalistas pelo presidente do município. Por diversas vezes o relatório aponta a falta de identificação das fontes de informação.
Em Março, a ERC questionou o director de Informação da TVI para que se pronunciasse sobre as queixas, mas durante dois meses não teve resposta. Em Junho, a TVI enviou ao regulador apenas a “indicação do endereço onde se encontram disponibilizadas as imagens” sobre a peça que a ERC pedira dois meses antes, sem qualquer outro comentário.
Perante a análise da reportagem, a ERC conclui que “é notório o enviesamento e a falta de isenção da TVI” na “formulação das perguntas aos dirigentes do PCP” quando o repórter pergunta a Bernardino Soares se houve “jobs for the boys”. O exercício do contraditório, a que está obrigada a comunicação social, é feito de forma deficiente quando as respostas são “entrecortadas pelas acusações do repórter e transmitidas parcialmente”, a preto e branco e com flashes, como que a confirmar a existência de irregularidades.
“Apesar da garantia de contraditório, sobressai uma construção sensacionalista”, considera a ERC, que afirma também que houve um “desrespeito pela presunção de inocência”. “Há, portanto, a transmissão de uma investigação jornalística construída através da descontextualização de alegados factos e da emissão de conclusões sem identificação de fontes de informação (documentos ou declarações) comprovativos das suspeitas avançadas, num registo sensacionalista, com ausência de isenção e que portanto resulta na falta de rigor informativo”, vinca o conselho regulador.
E acrescenta: “Entende-se que a TVI não cumpriu cabalmente com os deveres de precisão, clareza, completude, neutralidade e distanciamento no tratamento desta matéria, o que originou a construção de uma reportagem marcadamente sensacionalista, sendo factores que fragilizam o rigor informativo por contribuírem para uma apreensão desajustada dos acontecimentos por parte dos telespectadores.”
Nesta quinta-feira à tarde, o PCP emitiu um comunicado em que acusa a TVI de ter mentido e de ter feito uma “campanha persecutória" ao longo de dois meses (em período de pré-campanha eleitoral para as europeias) que se baseou “em mentiras, calúnia e difamação”. Apesar de se congratular com a decisão da ERC, o partido considera que a sensibilização do regulador à TVI para que esta cumpra os seus deveres de rigor informativo é “pouco mais que um piedoso registo sem consequências”. Por isso, exige que o canal noticie a decisão da ERC “com expressão idêntica” em antena à que deu às reportagens, e “peça desculpa ao PCP e a Jerónimo de Sousa” e aos telespectadores.