Não. Não se levantaram forças contra as recentes e importantes acções de educação sobre a diversidade sexual e de género nas escolas. Não. Não é uma onda de indignação contra uma tal de ideologia. O que aqui assistimos é, claramente, uma reacção pela conquista de espaço público — que por ser público — é de todos e todas. E sendo de todos, tem de permitir espaço, visibilidade, segurança e justiça para todas as pessoas.
A este respeito, deixo uma breve reflexão sobre os três “is” da discriminação: o insulto, a invisibilidade e o isolamento.
Bicha, fufa, paneleiro, sapatona — se quiséssemos continuar esta lista, bastar-nos-ia, infelizmente, passar uma tarde no recreio de uma escola. O Estudo Nacional sobre o Ambiente Escolar, realizado recentemente em Portugal pela ILGA-Portugal em parceria com instituições do ensino superior, demonstrou, claramente, que muitos jovens são alvo de insultos na escola, proferidos por diferentes pessoas: colegas, funcionários e até professores. Isto é o insulto: a palavra que, por si só, oprime, exclui e traz consigo a clara mensagem que aquela pessoa não é bem-vinda por ser quem é. A palavra que obriga a que, todos os dias, um jovem tenha de pensar como se pode vestir, agir, exprimir, para garantir que está em segurança. Já alguma vez pensamos no privilégio que é sentirmo-nos seguros?
A não-existência. Um caso à parte. A excepção. Os livros escolares que apenas abordam o amor entre o João e a Maria. Os programas de educação sexual onde as sexualidades que não a heterossexual não são sequer mencionadas. Ou sendo, ficam em nota de rodapé, mencionadas como excepção e diferença. É a invisibilidade em marcha. A procura incessante de modelos com que se identificar e estes não estarem disponíveis. É o saber-se quem é, mas ser oprimido por pensar que as outras pessoas sabem mais sobre a sua identidade que o próprio. É não poder falar dos seus sentimentos nem caminhar de mãos dadas com o/a namorado/a. É não ter lugar no espaço público porque ele afinal é restrito.
Ficar à parte. Deixar-se num canto para não ser visto — talvez assim seja mais seguro. Ser posto/a de parte porque é demasiado “feminino” para ser rapaz. Ou demasiado “masculina” para ser rapariga. É ser o/a último/a a ser escolhido/a seja para o que for. Não ser convidado/a para as festas. É sentir-se só ou está-lo, de facto. A pessoa, esse ser social, a ser marginalizada por outras.
Vários estudos documentam os efeitos destes fenómenos que maltratam, excluem, ostracizam e silenciam estas pessoas, estes jovens. Todos convergem no mesmo sentido: níveis mais baixos de saúde mental com consequências como perturbações de ansiedade, depressão, ideação suicida, rejeição da própria identidade. Uma palavra sobressai para amenizar estas consequências: o apoio. As redes sociais de apoio que começam nas instituições mais importantes para os jovens: a família, a escola, os amigos.
E as vozes de preconceito levantam-se e esclarecem que “têm direito a existir, mas não a impor”. O que isto significa? Significa existir na invisibilidade. Nas amarras do insulto. Nos calabouços do isolamento. Nas directrizes da opressão e da ignorância: onde o espaço público é de apenas alguns que oprimem através do poder social que têm e, sobre o qual, nunca reflectiram.
Viver numa bolha do privilégio não pode implicar empurrar o outro para dentro de um armário. Essa é a ideologia que nos oprime a todos e todas.