Se Carrie Lam pedir, China pode ordenar à guarnição militar que reponha a ordem em Hong Kong
É uma mudança de posicionamento subtil, mas significativa, de Pequim após quase oito semanas de protestos pró-democracia. A China tinha até agora garantido não pretender activar a sua guarnição na região administrativa especial.
A China garantiu que a guarnição do Exército de Libertação Popular pode receber ordens para restabelecer a ordem em Hong Kong. Basta que a chefe do governo da região administrativa especial, Carrie Lam, lho peça, deixou esta quarta-feira implícito o Ministério da Defesa de Pequim. É uma mudança ténue, mas significativa, do posicionamento chinês pasadas quase oito semanas de protestos pró-democracia.
“Estamos a acompanhar de perto os desenvolvimentos em Hong Kong, especialmente o violento ataque contra o gabinete de representação por radicais a 21 de Julho”, explicou o porta-voz do Ministério da Defesa chinês, coronel Wu Qian. “Alguns comportamentos dos manifestantes radicais estão a desafiar a autoridade do Governo central e o princípio de ‘um país, dois sistemas’. Isso é intolerável”.
Questionado sobre como Pequim poderia manter a ordem, Wu Qian garantiu que o uso da guarnição tem “cláusulas claras”, sem dar mais pormenores. O porta-voz referia-se ao artigo 14.º da Lei Básica de Hong Kong que define a intervenção da guarnição do Exército de Libertação Popular em situações de desordem pública e catástrofes.
Pequim encara os protestos pró-democracia em Hong Kong como uma ameaça à segurança e unidade da China e o cerco ao seu gabinete de representação, no passado domingo, foi mais uma gota num copo que se tem vindo a encher nas últimas semanas, com a tentativa de entrada na sede do Governo e invasão do parlamento.
A China garantiu sempre que não pretendia activar a sua guarnição na região, porém, agora, já põe essa possibilidade em cima da mesa, e basta que lho peçam.
“A minha interpretação é que o Exército de Libertação Popular está na fase de observação da situação em Hong Kong. A sua guarnição é como um submarino que está a vir ao de cima devagar”, disse Johnny Lau Yui-siu, observador veterano da China, ao South China Morning Post, alertando que os manifestantes devem evitar cercar edifícios chineses.
Caso a guarnição chinesa seja destacada, o regime chinês terá de o fazer segundo o artigo 14.º da Lei Básica de Hong Kong, isto se respeitar a lei. “O governo da região administrativa especial de Hong Kong pode, se necessário, pedir ao Governo Central assistência da guarnição para a manutenção da ordem pública e ajuda em situações de desastre”, estipula o artigo.
Segundo a lei, a actuação dos militares chineses estaria limitada a acções específicas e retorno imediato ao quartel. As tropas serão chefiadas pelo comandante da guarnição ou por um outro oficial, dependendo das negociações entre Pequim e o governo da região.
Ainda que o pedido de ajuda dependa do executivo regionaç, sabe-se que Pequim o controla – é precisamente uma crítica dos manifestantes. Por exemplo, Lam quis abandonar a liderança do Executivo por causa dos protestos e a China não deixou, segundo o Financial Times. Pequim nega qualquer interferência nos assuntos internos da antiga colónia, mas os manifestantes acusam-na de expandir a sua influência a quase todos os sectores da sociedade – política, media, tribunais, sindicatos, polícia.
Os manifestantes sabem que correm o risco de Pequim perder a paciência se esticarem demasiado a corda, mas nem por isso deixam de desafiar o governo de Carrie Lam. “Cabe ao governo de Hong Kong enviar uma mensagem ao mundo sobre como vai defender e proteger a autonomia da cidade”, desafiou Alvin Yeung Ngok-kiu, líder do pró-democracia Partido Cívico, ao South China Morning Post, sublinhando que deve mostrar ter a “capacidade para manter a situação sob controlo”.
Se Pequim intervier, será uma vitória simbólica para os manifestantes. Demonstrará que, quando contestado, o governo de Hong Kong depende em última instância da mão dura chinesa para manter o controlo da região administrativa especial. Os protestos, alguns com a participação de mais de dois milhões de pessoas, são o maior desafio ao controlo do regime chinês desde que a região passou da soberania britânica para chinesa em 1997.
Tiveram como ponto de partida a oposição à proposta de lei de extradição para o continente entretanto suspensa, mas acabaram por evoluir para contestação generalizada ao Governo de Carrie Lam e à influência chinesa em Hong Kong sob o princípio “um país, dois sistemas”, que os manifestantes dizem estar agora em causa.