Direita francesa tentou impedir que Greta Thunberg discursasse no Parlamento
Chamaram-lhe “musa do Apocalipse” e mau exemplo, por fazer greve às aulas em nome do clima. A jovem sueca de 16 anos activista pela luta contra as alterações climáticas tinha uma resposta: “Não são obrigados a ouvir-nos, afinal somos crianças. Mas devem ouvir a ciência”, disse na Assembleia Nacional, em Paris.
Um grupo de deputados convidou Greta Thunberg, a jovem activista pelo clima sueca a discursar no Parlamento francês. Mas o convite despertou a fúria de conservadores e de extrema-direita, que se aliaram num apelo ao boicote e a denunciaram como “profetisa do apocalipse de calções” e “vencedora do Prémio Nobel do Medo”. Sem ceder às pressões, Greta, que liderou um movimento de greves estudantis à sexta-feira para alertar para a urgência de combater as alterações climáticas, discursou esta terça-feira na Assembleia Nacional, em Paris para denunciar que os “Governos têm feito muito pouco para encontrar uma solução” para o aquecimento global, que ameaça a “sobrevivência da Humanidade”.
Não discursou no hemiciclo. Falou noutra sala, para quem a quis ouvir, onde deputados conservadores e da extrema-direita não estiveram presentes. Thunberg deixou um sério aviso em inglês: “Alguns decidiram não vir, alguns optaram por não nos ouvir. Muito bem. Mas terão de ouvir a ciência. É tudo o que pedimos, que nos unamos em torno da ciência”. “Recebemos quantidades inimagináveis de ódio e ameaças por nos limitarmos a citar números, factos científicos. Somos ridicularizados e deputados e jornalistas mentem-nos”, disse a jovem sueca que sofre de síndrome de Asperger.
Em 2018, a jovem de 16 anos deu início ao seu activismo quando, sozinha. Então no nono ano de escolaridade, fez greve climática todas as sextas-feiras para protestar em frente ao Parlamento sueco. Exigia ao Governo que reduzisse as emissões de dióxido de carbono para não agravar o efeito de estufa que causa as alterações climáticas – a Suécia tinha acabado de sofrer alguns dos mais intensos incêndios florestais dos últimos anos.
A greve chamou a atenção e a jovem transformou-se num símbolo. Um ano depois, a greve estudantil climática levava milhares de jovens e adultos para as ruas de mais de 100 países, entre os quais Portugal. Entretanto, Greta Thunberg tem sido presença assídua em eventos públicos (como a Cimeira do Clima), parlamentos e manifestações em que alerta para os riscos das alterações climáticas.
Convidada por 162 deputados franceses do grupo interpartidário ambientalista “Vamos Acelerar”, os seus críticos não tardaram a vir a terreiro denunciá-la como “profetisa do apocalipse” e de estar ao serviço do capitalismo verde.
“Apelo aos meus colegas para boicotarem Greta Thunberg. Não precisamos de profetisas do apocalipse para combater as alterações climáticas de forma inteligente”, disse no Twitter Guillaume Larrive, deputado francês e um dos candidatos à liderança do partido de centro-direita Os Republicanos. Sem querer ficar atrás, o outro candidato à liderança partidária, Julien Aubert, disse: “Não contem comigo para ir e aplaudir uma profetisa do apocalipse, a Prémio Nobel do Medo”.
Não estavam sozinhos e uma aliança entre conservadores e extrema-direita tomou forma. Jordan Bardella, de 23 anos, eurodeputado da União Nacional de Marine Le Pen acusou-a no canal France2 de ter uma “abordagem derrotista”. “Usar crianças para passar uma mensagem fatalista sobre o mundo em chamas, deixar a escola e entrar em greve, é uma abordagem profundamente derrotista”, criticou o eurodeputado.
Também há quem saia em sua defesa recusando qualquer boicote. “A raiva devia estar a afectar-nos a todos. Não precisamos de um boicote, pelo contrário, devíamos aplaudir e dizer que não estamos a fazer o suficiente”, afirmou o deputado Olivier Faure, primeiro secretário do Partido Socialista francês. “Esta jovem mulher tem desempenhado um papel extraordinário de consciencialização na Europa, mesmo no mundo”.
“Temos de acreditar que estamos numa situação dramática e até trágica por os jovens estarem mais atentos que muitos políticos”, reiterou a deputada Delphine Batho, presidente do Geração Ecológica.
A maioria dos deputados que apoiaram a intervenção de Greta Thunberg no Parlamento francês pertence ao República em Marcha do Presidente francês, Emmanuel Macron. O chefe de Estado tem tentado convencer os eleitores mais jovens de que é um campeão na luta contra as alterações climáticas, mas mesmo no seu partido nem todos concordam com o convite feito.
“É triste ter alguém que fez greve na escola como símbolo”, disse o deputado Sylvain Maillard.
Uma das acusações que Greta Thunberg tem ouvido é a de estar ao serviço de negócios do capitalismo verde. Os deputados franceses críticos voltaram a fazê-la e a jovem não deixou passar em branco: “É simplesmente hilariante. Nunca conheci um activista climático que estivesse nisto por dinheiro”. “É triste que as pessoas estejam tão desesperadas que inventam coisas e estarem com mais medo e preocupadas comigo e a juventude que protesta do que com o verdadeiro problema”, disse Thunberg ao site Konbini News.