Há mudanças nas profissões que garantem IRS especial a quem se muda para Portugal
Directores e gestores de empresas que passam a trabalhar em Portugal continuam a poder beneficiar de IRS de 20% independentemente do nível salarial.
O ministro das Finanças, Mário Centeno, alterou a lista das profissões liberais que garantem um IRS especial aos cidadãos que mudam a residência para Portugal para aqui passarem a trabalhar numa actividade de “elevado valor acrescentado”.
Em vez de a tabela ter uma correspondência directa com os códigos de actividades económicas (CAE), como acontecia desde 2010, agora a lista tem por base os códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP). As alterações surgem numa portaria publicada no Diário da República desta terça-feira.
As mudanças têm apenas a ver com a parte dos que estão no mercado de trabalho, em nada alterando o regime na vertente que diz respeito aos pensionistas, uma das fragilidades do regime que têm levado alguns países europeus a contestar as regras portuguesas por deixar os reformados isentos de qualquer IRS cá e nos países de origem.
Com a mudança, ficam de fora da lista do Regime dos Residentes Não-Habituais (RNH) os auditores, consultores fiscais, pintores, psicólogos ou arqueólogos, por exemplo. Em contrapartida, passam a ser elegíveis agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e produção animal, “trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices, incluindo nomeadamente trabalhadores qualificados da metalurgia, da metalomecânica, da transformação de alimentos, da madeira, do vestuário, do artesanato, da impressão, do fabrico de instrumentos de precisão, joalheiros, artesãos, trabalhadores em electricidade e em electrónica”.
Quem continua a beneficiar do IRS reduzido são os quadros superiores de empresas, tendo em conta que para o RNH são elegíveis directores-gerais e gestores executivos, directores de serviços administrativos e comerciais, directores de produção e de serviços especializados e ainda “administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo” se forem afectos a “projectos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento”.
Aos cidadãos com o estatuto de RNH não se aplica a tabela geral do IRS — progressiva — da generalidade dos cidadãos que vivem e trabalham em Portugal, mas sim uma taxa especial independentemente do nível salarial. Os residentes não-habituais beneficiam de um IRS de 20% durante dez anos (para rendimentos do trabalho dependente ou a recibos verdes). Já nos rendimentos de capital, prediais e mais-valias mobiliárias e imobiliárias aplicam-se as taxas de tributação de 28%, mas há a opção pelo englobamento dos rendimentos.
As alterações são justificadas pelo Governo de António Costa com a necessidade de captar de forma mais eficaz trabalhadores qualificados. O regime já tem perto de 30 mil beneficiários. Dados anteriores, quando se contabilizaram 27 mil, mostravam que só pouco mais de dois mil (8%) desenvolviam uma actividade de elevado valor acrescentado.
“A situação económica de Portugal sofreu uma relevante mutação desde a publicação da referida tabela de actividades, existindo uma transformação significativa das dinâmicas de criação de emprego. De facto, entidades empregadoras de vários sectores têm revelado dificuldades na contratação de trabalhadores com perfis de competências e qualificações diversificados, pelo que, neste contexto, importa reforçar os factores de atractividade de trabalhadores que queiram vir para Portugal”, justifica o Governo.
Distorções na Europa
A Comissão Europeia está atenta às práticas fiscais agressivas dos países da União Europeia (UE) e o comissário europeu responsável pela pasta da fiscalidade, o socialista francês Pierre Moscovici, fez questão de o frisar em resposta a uma carta na qual a ex-eurodeputada do PS Ana Gomes descrevia este regime como um “esquema de dumping fiscal” que diz ser uma “grosseira injustiça para com os contribuintes portugueses e uma deslealdade para com outros Estados-Membros da União”.
Quanto às distorções criadas, as alterações que o Governo agora fez nada alteram. De resto, quando em Abril Mário Centeno foi entrevistado em horário nobre na TVI por Miguel Sousa Tavares, foi confrontado com o facto de o regime fiscal permitir que haja um IRS diferente para cidadãos que vivem em Portugal e têm o mesmo nível de rendimentos, o ministro não rebateu essa constatação. Centeno passou ao lado desse ponto da análise e, numa alusão a acordos fiscais que Portugal já foi forçado a rever para evitar que os pensionistas de países como a Finlândia e a Suécia, disse haver um “compromisso europeu para que isso aconteça” e prometeu que dentro de semana haveria uma revisão do regime para o tornar “mais activo na captação de qualificações”.
Por essa altura, Moscovici reconhecia que o regime português é “menos favorável para as pessoas que já residem em Portugal independentemente da nacionalidade, em comparação com aquelas que se mudam para Portugal”, seja cidadãos estrangeiros ou emigrantes portugueses que regressam a Portugal.
Uma das questões que mais fricção têm criado com alguns países tem que ver, não tanto com o IRS dos trabalhadores, mas com o regime que se aplica aos pensionistas que se mudam para Portugal, porque aí há uma isenção do imposto em Portugal (IRS de 0%) se a reforma for paga pelo Estado de origem.
A questão é a combinação destas regras com as convenções fiscais que Portugal já tinha celebrado com outros países (para evitar casos de duplas tributações) acabou por produzir o efeito oposto, porque os acordos impediam as autoridades tributárias de tributar os pensionistas que agora eram residentes fiscais num outro Estado. Na prática, os reformados ficavam fiscalmente em terra de ninguém, isentos de IRS tanto em Portugal como no país de origem.
Foi justamente isso que levou a Finlândia e a Suécia a quererem rever as convenções fiscais. Helsínquia foi a primeira, logo em 2016, e apesar de Centeno ter assinado um novo texto que dava margem à Finlândia de tributar os pensionistas, o Governo de António Costa foi adiando a ratificação do documento no Parlamento e, perante o impasse e a ausência das novas regras, o parceiro europeu acabou por dar um passo inédito e rasgar a anterior convenção histórica (em, vigor desde 1971) para fazer cair a regra que impedia a tributação dos pensionistas que recebem a pensão do Estado de origem e são residentes noutro território.
O RNH permitiu um benefício próximo dos 600 milhões de euros aos 28 mil cidadãos que no ano passado tinham este estatuto em Portugal.