O Reino Unido recebe esta terça-feira, 23 de Julho, um novo primeiro-ministro, Boris Johnson. Recebe, mas não acolhe. A tarefa diante de si perspectiva-se ciclópica, diante de um país ainda (mais) dividido, diante de um parlamento ainda (mais) dividido e um partido conservador ainda (mais, já perceberam, não já?) mais dividido.
Afinal, se consequência houve com a saída de Theresa May foi a de trazer mais opiniões para cima da mesa, fracturando fileiras, criando pontos de vista inconciliáveis, dando mais nós a um novelo há muito difícil de desenrolar desde a convocação de eleições antecipadas e a consequente perda da maioria absoluta.
Os meus parabéns à União Europeia: nunca como antes a expressão dividir para reinar fez tanto sentido, pois, enquanto o Reino Unido continuar desunido, o “Brexit” nunca será uma realidade.
Convém, no entanto, relembrar a razão primária para o voto dos britânicos: uma má condição de vida. A mensagem é muito simples quando as populações mais não pedem, e repito, para além de uma vida melhor. Fora de Londres, e à semelhança dos países do Sul da Europa, também os britânicos se viram espoliados de fábricas, minas, indústrias, meios de produção, sujeitando-se a quotas de pesca, leite, produtos agrícolas, abrindo fronteiras a produtos mais baratos cuja concorrência levou milhões à pobreza, mesmo se empregados, até porque entretanto veio a precariedade.
Vítimas de um país historicamente conservador, feudalista e fortemente capitalista, os britânicos viram o seu sistema social eficientemente demolido ao longo dos últimos 20 anos, sendo disso exemplo o fim da habitação social, vulgo o direito à habitação numa terra onde os Invernos são mortais. No centro de Londres, o que antes era habitação social está agora à venda por um milhão de libras. No centro de Londres, quem antes morava nas habitações sociais dorme agora na rua. E são muitos, a cada esquina, o reflexo de um país em decadência.
Sem outra arma que não o voto, as populações exerceram o seu direito e pediram a uma só voz aquilo que todos pedimos. Assim sendo, sair desta União Europeia faz todo o sentido.
Três anos passaram desde o voto, três anos durante os quais os dados recolhidos apontam para o empobrecimento da economia do Reino Unido, com ou sem acordo, originando mais desemprego, deslocalização de empresas, recessão.
Conclusão: se quem votou queria uma vida melhor, tal não vai acontecer. Ainda para mais num mundo cada vez mais globalizado e onde uma ilha não se pode dar ao luxo de se comportar como uma ilha, sob pena de um suicídio lento e doloroso para todos os que lá vivem.
Deste modo, e relembrando como o Reino Unido é um membro privilegiado da União Europeia, com uma moeda própria, controlo de fronteiras, exercendo o seu direito de veto sem pruridos, cabe a Boris Johnson concentrar-se numa única solução: trabalhar em prol das populações, mantendo o Reino Unido na União de modo a mudar a União por dentro, defendendo os direitos de quem trabalha, lutando contra as quotas, contra as privatizações, recusando a precariedade, defendendo os direitos de quem trabalha, exigindo a regulação dos privados sem esquecer a banca, minando o eixo franco-alemão e promovendo, na verdadeira acepção do termo, uma Europa a 28 onde os países mais pobres, porque mais pobres, não têm de se subjugar à vontade dos mais ricos, assim eliminando desigualdades económicas e sociais, distribuindo a riqueza produzida por todos para que ninguém, nunca mais, precise de um “Brexit”.
O mote é, ainda e sempre, o mesmo: paz, pão, habitação, saúde, educação, seja em Portugal seja nas províncias esquecidas e ignoradas do Reino Unido, seja em toda a Europa. Um continente sequioso de paz, fundado na guerra, morte e sofrimento, cansado de sangue e revoluções, a gritar por estabilidade.
Fica aqui o meu apelo a Boris Johnson: tendo o Reino Unido sabido tão bem levar a sua avante como um dos três grandes da Europa, tenha a esperteza de se manter na mesma, mas desta vez por uma boa causa e não apenas em prol dos seus amigos de Eton. O povo está farto. Mais, o povo está dividido — e assim nascem os conflitos.