Iglesias e PSOE fazem cedências mútuas e abrem caminho a um governo de coligação
A investidura parlamentar está marcada para a semana. Os socialistas espanhóis e o Podemos não têm os votos suficientes e apostam nas abstenções para fazer passar o executivo de esquerda no Congresso.
A negociação entre Pedro Sánchez, chefe do Governo e líder do PSOE, e Pablo Iglesias, líder do Unidas Podemos (UP), para formarem uma coligação governamental, teve uma viragem. Após dias de “pugilato”, Iglesias desistiu de entrar no executivo para permitir o acordo entre os dois partidos. “Não vou ser a desculpa para que não haja um governo de coligação de esquerda.”
Horas antes, Adriana Lastre, vice-secretária-geral do PSOE, anunciava que Iglesias era “único obstáculo” e que Sánchez não se opunha à participação no governo de políticos como Irene Montero, Pablo Echenique ou Rafael Mayoral, os principais dirigentes a seguir a Iglesias. Era uma cedência de Sánchez que, até aí, apenas aceitava que o UP indicasse ministros técnicos.
A resposta não se fez esperar. “Pedi a Pablo Echenique que transmita ao Partido Socialista a nossa vontade de negociar imediatamente um governo de coligação de esquerdas”, anunciou Iglesias num tweet. “Um acordo integral de programas e equipas para levar em frente a investidura na próxima semana.”
O PSOE respondeu que, com o recuo de Iglesias, “pode haver acordo, sem vetos nem imposições. O presidente escutará as propostas e decidira a equipa. Primeiro o programa, depois o governo.”
A consumar-se o acordo, será a primeira vez, desde a Transição, que o PSOE oferece um governo de coligação a um partido situado à sua esquerda.
O Congresso dos Deputados reúne-se nos dias 23 e 25 para o debate de investidura de Sánchez. Os votos dos dois partidos – 165 deputados – ficam abaixo da maioria absoluta – 176 – necessária à investidura na primeira votação. Mas, no dia 25, basta a maioria relativa, o que exigirá outros votos favoráveis ou um número suficiente de abstenções. Se a investidura falhar, pode ser repetida em Setembro, de modo a evitar a dissolução do parlamento e legislativas antecipadas – pela quarta vez em menos de quatro anos.
A desconfiança
O percurso negocial tem sido sinuoso. Mas o PSOE e o UP estão condenados a entenderem-se. Não há alternativas a esta aliança desde que o PSOE e o Cidadãos entraram em rota de colisão. Estes dois partidos aliaram-se em 2016 para substituir o Governo de Rajoy, mas o acordo foi frustrado pelo voto negativo do Podemos. Iglesias procurava então arrancar aos socialistas a hegemonia da esquerda. Pagou por isso um preço alto e mudou de estratégia.
A fragmentação política e a polarização das eleições de Abril criaram dois blocos fechados – esquerda e direita – entre os quais não há diálogo a nível nacional.
Onde reside o conflito entre Sánchez e Iglesias? No plano programático, depois de ter feito a campanha eleitoral virada para a esquerda, Sánchez quererá fazer no governo uma viragem ao centro. Preferia deixar de fora o UP e celebrar apenas um acordo parlamentar, segundo o modelo da “geringonça”. Ofereceu depois a Iglesias pastas técnicas sem participação de figuras políticas do UP. Iglesias recusou.
Mas a principal razão reside numa disputa pessoal e de poder. Iglesias queria ser “protagonista”, dentro do governo, para refazer a sua imagem e suster o declínio do UP. Para Sánchez, isso equivaleria a dar uma tribuna ao seu mais directo concorrente.
A desconfiança entre eles é muito grande. Iglesias endureceu a sua posição, entendendo que o PSOE tinha mais a perder do que ele com uma repetição de eleições. Insinuou que Sánchez não merecia confiança e, por isso, seria útil vigiá-lo dentro do Conselho de Ministros.
Na quinta-feira, Sánchez fez um ataque cerrado a Iglesias. Denunciou a sua exigência de ser vice-presidente do Governo e pretender pastas como as Finanças, o Trabalho e Segurança Social e a Comunicação. Não quer outro “governo dentro do governo”. E disse haver “divergências abissais” em “questões de Estado” como a Catalunha: “Pablo Iglesias fala de presos políticos e eu preciso de um vice-presidente que defenda a democracia espanhola.”
“É difícil encontrar uma desqualificação política e pessoal mais completa e acabada sobre um suposto aliado”, anotou um colunista. Em política nada é irreversível.