Professora que morreu “nunca se mostrou cansada nem desgastada”
Companheiro de uma das docentes cujas mortes a Fenprof quer ver investigadas falou ao PÚBLICO. Associar óbito a excesso de trabalho não é “justo nem honesto”, diz. Há quatro situações reportadas à PGR. Sindicato denuncia “tremenda sobrecarga horária” dos professores.
O excesso de trabalho nalguns casos pode estar associado a uma morte súbita, confirma o psiquiatra Pedro Afonso, numa entrevista ao PÚBLICO. Mas terá sido isso mesmo que aconteceu aos quatro docentes apontados pela Federação Nacional de Professores (Fenprof) como podendo ter morrido devido aos horários que praticavam?
A Fenprof solicitou, nesta quinta-feira, à Procuradoria-Geral da República (PGR) que averigúe as causas das mortes destes professores, ocorridas “em pleno desenvolvimento da sua actividade profissional”. Mas as situações descritas pela maior estrutura sindical de docentes, a pretexto da última denúncia que fez sobre a “tremenda sobrecarga horária e de trabalho” a que os docentes estão sujeitos, chocam com alguns testemunhos recolhidos pelo PÚBLICO.
O companheiro da professora de inglês de 45 anos, da Escola Básica e Secundária de Fajões, em Oliveira de Azeméis, que morreu num domingo de manhã de Junho, quando estava a corrigir testes, recusa relacionar a morte da docente com o excesso de trabalho. “Não me parece justo nem honesto assumir isso, até porque ela tinha prazer no trabalho que fazia.”
“Era uma pessoa feliz, descontraída, focada, organizada e com uma capacidade notável para envolver pais e miúdos, mesmo os que tinham problemas comportamentais, nas aprendizagens. E fazia-o sempre com um sorriso”, descreve, para garantir que, sendo ele próprio coordenador de uma escola, logo “habituado a lidar com professores em situação de burnout e a reconhecer os seus sintomas”, nunca os detectou na sua mulher: “Nunca se mostrou cansada nem desgastada. Pelo contrário, gostava muito do seu trabalho e da escola em que estava”, garante, para reconhecer, embora, que a companheira com quem vivia havia nove anos “gastava mais de 50 horas por semana no trabalho”.
A primeira da série de mortes relatada pela Fenprof ocorreu em Março passado, com outra professora de inglês, de 49 anos, colocada no Agrupamento de Escolas de Manteigas. A Fenprof diz que morreu “em plena sala de aulas”, mas o professor de Matemática João Tilly, que foi seu colega há dois anos, dá conta numa mensagem que colocou no Facebook de que a morte ocorreu no Hospital de Viseu, para onde acabou por ser transferida depois de ter sido transportada para o centro de saúde de Manteigas e depois para o hospital da Guarda, tudo com largos intervalos de espera. Foi vítima de um acidente vascular cerebral hemorrágico. “Alunos e colegas transmitiram-me que andava a queixar-se havia algum tempo de fortes dores de cabeça e que estava a adiar consultas médicas por sentir a pressão das aulas e dos testes que tinha de entregar”, contou ao PÚBLICO.
De escola em escola
Conheceu a docente em causa quando ela esteve colocada no Agrupamento de Escolas de Seia, um dos muitos por onde passou. Apesar de ser professora do quadro, o facto de não ter um mínimo de seis horas lectivas atribuídas na sua escola de origem obrigava-a a concorrer todos os anos a outros agrupamentos. No ano lectivo passado, conseguido um horário completo, ficou com turmas do 7.º ao 11.º ano de escolaridade, refere Tilly, frisando que “uma carga como esta conduz a um stress e a uma pressão permanente à qual nem todos conseguem resistir”.
Recusando estabelecer qualquer relação causal entre a morte da professora de inglês da Escola Básica e Secundária de Fajões e a sobrecarga de trabalho, e numa altura em que continua a aguardar os resultados definitivos da autópsia, o seu companheiro não deixa, ainda assim, de alertar para a carga de trabalhos inerentes ao desempenho docente que ultrapassa em muito as horas semanais de trabalho. E lembra também que “a sobrecarga administrativa absorve mais tempo semanal aos professores que o tempo lectivo directo com os alunos”. Por seu turno, o director do agrupamento, António Camilo, descreve também uma professora “simpática e bem-disposta, sempre disponível para trabalhar”. “Nunca faltou nem deu sinais de nenhum problema e, aparentemente, era saudável”, referiu ao PÚBLICO.
À semelhança da professora de Manteigas, também esta docente pertencia aos quadros. Já a professora natural do Fundão, que faz também parte da lista de docentes que morreram recentemente feita pela Fenprof, continuava a contrato apesar de ter já 21 anos de aulas e muitas escolas pelo caminho, algumas em horários de poucos meses. No passado ano lectivo, com 51 anos, esta docente de História foi colocada na Escola Secundária Campos Melo, na Covilhã, onde lhe foram atribuídas 17 horas de aulas por semana. Legalmente o máximo são 22 horas. A direcção da escola não quis pronunciar-se sobre este caso.
Na participação que entregou à PGR, a Fenprof dá conta também de um professor de Odivelas que terá morrido a trabalhar. “Acho estranho porque os directores dos agrupamentos de Odivelas reúnem-se regularmente, encontrámo-nos ainda recentemente, e ninguém referiu essa ocorrência”, comentou um dos responsáveis.
O PÚBLICO não obteve respostas do director do Agrupamento de Escolas de Manteigas. No site da escola continua apenas esta curta mensagem de Março: “Hoje é um dia triste para todos pela perda de uma professora, de uma amiga que partiu demasiado cedo.”