“Há um ataque ao SNS pelas forças que nunca o quiseram”
O Conselho Nacional de Saúde, a que o investigador Henrique Barros preside, vai delinear a estratégia do futuro Plano Nacional de Saúde, a pedido da ministra Marta Temido.
O médico, investigador e presidente do Conselho Nacional de Saúde, Henrique Barros, diz que os profissionais de saúde estão zangados por causa das remunerações e da falta de reconhecimento profissional, mas considera que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está “objectivamente melhor”.
É presidente do Conselho Nacional de Saúde desde o início do ano. O Governo já vos pediu alguma colaboração?
Sim, a ministra da Saúde pediu-nos para fazer uma proposta de como deve ser desenhado (os termos de referência, a estratégia) o novo Plano Nacional de Saúde. É um documento importante. O país precisa de uma carta de marear nesta área para os próximos anos. O plano que existe actualmente foi prolongado até 2020 e isso é já amanhã.
Mas o actual plano não foi cumprido…
O não cumprimento dos planos é uma questão relevante, deve obrigar-nos a uma grande contenção e honestidade na forma de olhar para aquilo que propomos.
O Serviço Nacional de Saúde está melhor ou está pior?
O SNS é o esforço da sociedade portuguesa para garantir a saúde dos cidadãos na parte que compete às profissões da saúde. Nessa medida, e avaliado pelos resultados, está objectivamente melhor. Vivemos cada mais tempo, temos menos doenças, as doenças são descobertas mais cedo, a proporção de pessoas curadas aumenta.
Então por que é que há tanta gente a dizer que SNS está pior, que está a atravessar uma forte crise?
É preciso perguntar-lhes: diga lá o que está mal. Os profissionais de saúde ganham mal? Ganham. Então aumentem-lhes os salários. Precisamos de mais gente? Sim, mas repare, por exemplo: quem constitui as equipas de saúde pública em Portugal são médicos, quase nenhuns enfermeiros e alguns técnicos de saúde ambiental. Vá a outros países e verá médicos, sim, mas sobretudo enfermeiros, assistentes sociais, sociólogos, nutricionistas, especialistas em comunicação. E estas equipas têm que estar no local, não na direcção tal ou tal. Se queremos que as crianças tenham educação sexual, [por exemplo] são precisas equipas de saúde pública nas escolas. É isto que falta. Neste sentido, OK, melhore-se.
Mas admite que os profissionais de saúde estão zangados?
Estão, por duas razões, que têm a ver com as remunerações e com o reconhecimento profissional. Mas, por essa lógica, diria que o mesmo se passa nas universidades: não há progressão nas carreiras. [Por outro lado], o SNS tem 40 anos e, ao longo deste tempo, as contradições políticas têm sido totais: houve uma altura em que diziam ‘aumentem a produção’, ‘vamos fazer análises dentro do hospital’, outra em que diziam ‘vamos fazer análises fora'… e isso tudo sempre para responder a interesses. O SNS vai continuar a ser atacado porque representa um negócio brutal em termos do volume financeiro que move. O limite disto está numa decisão política e dos cidadãos: ou nós enquanto cidadãos entendemos que o SNS é um bem do país, e então pomos mais dinheiro, vontade e inspiração e investimos naquilo em que SNS perdeu sempre para os privados que é a hotelaria (ter uma cama de boa qualidade, o direito do pai assistir ao nascimento do filho), ou, como cidadãos e como país, tomamos uma opção diferente e vamos por aí. Agora, há claramente um ataque ao SNS, nomeadamente pelas forças que nunca o quiseram. Porque não nos podemos esquecer que houve gente que votou a favor e gente que votou contra o SNS no passado. Não nos podemos esquecer também que vivemos um tempo em que os hospitais eram um lugar de morrer. Hoje, o SNS transformou-os num lugar esperança, de continuar a viver.