Debate do estado da Nação abre a porta das legislativas
PSD foi mais crítico, CDS anunciou uma proposta para baixar o IRC. À esquerda, o duelo Costa/Catarina Martins foi mais aceso, com o PCP foi mais brando.
O primeiro-ministro e o ministro das Finanças chegaram ao fim da legislatura com uma mensagem: afinal, havia alternativa à governação da direita e esta impôs-se à desconfiança e pessimismo das vozes de PSD e do CDS ouvidas no arranque. No último debate do estado da Ñação antes das legislativas, o BE acenou com o fantasma da maioria absoluta, o PCP pediu “força” ao povo. À direita, o discurso não se fez a uma só voz. O PSD foi mais duro contra o Governo, o CDS preferiu fazer o balanço do seu trabalho. Mas da esquerda à direita, o tom já foi de campanha eleitoral.
Como o tempo é mesmo de balanços, o primeiro-ministro ensaiou a sua visão, assente na palavra “confiança”. António Costa elogiou a recuperação de rendimentos – e nisso coincidiu com os parceiros à esquerda – e o virar da página da austeridade. E insistiu em fazer o contraste com o início da legislatura, em que sobretudo o PSD de Passos Coelho estava apostado em demonstrar que a estratégia não resultaria. “Nem o diabo apareceu, nem a austeridade se disfarçou”, disse Costa. O discurso começou com um elogio ao BE, PCP e PEV por terem, em conjunto com o PS, “ousado derrubar um muro anacrónico” ao formarem a maioria parlamentar que governou nos últimos três anos.
Já na fase de encerramento, o ministro das Finanças sublinhou a mesma ideia de que a política do Governo permitiu melhorar o rendimento das famílias e provocou PSD e CDS, ao falar nos “velhos” que não eram do Restelo mas “desceram da Lapa e do Caldas” que estavam “errados” ao terem chamado pelo “mafarrico durante meses a fio”. Foi o ministro das Finanças que atacou as propostas do PSD e CDS, sugerindo que não se entre em “leilões de promessas eleitorais” e que essa é a “política do passado, das paragens bruscas”.
Se Mário Centeno enalteceu o investimento em serviços públicos e nos transportes nesta legislatura, António Costa disse não ver o país pintado de “cor-de-rosa”. E sublinhou o que “ainda está por fazer” e a ideia de que o Governo encontra uma solução – nos cartões do cidadão por exemplo – quando surge um problema ainda que “temporário ou sazonal”.
A referência ao fantasma da maioria absoluta veio da líder bloquista. Catarina Martins já tinha garantido que, se regressasse a 2015, “nas mesmas condições, voltaria a assinar” o acordo com o PS - e recebeu a concordância de António Costa. Ao mesmo tempo, a dirigente bloquista usou a táctica do PCP de realçar que muitas das medidas foram impostas pelo seu partido ao Governo. Quando subiu à tribuna, voltou a repetir tais premissas, deixando no ar a ideia do perigo de ter o PS a governar sozinho.
“Alguém pediu uma maioria absoluta”, questionou, afirmando que os principais dirigentes do PS, como Ana Catarina Mendes e Carlos César, pediram uma maioria para governar “sem bloqueios”. “Que bloqueios incomodam o PS? Aqueles que impediram congelamento das pensões”, perguntou, concluindo que “quem suspira pela maioria absoluta são os outros”. Ou sejam, os patrões, a saúde privada ou empresas com a Altice, dona do SIRESP. "Não podemos voltar à política das maiorias absolutas que nos perderam”, avisou.
A declaração de fidelidade de Catarina Martins levou Costa a escancarar a porta para Outubro – como os resultados “são bons”, “voltaria a tomar a mesma decisão” de celebrar o acordo da esquerda, mesmo não estando em 2015. Mas o socialista não perdeu a oportunidade para dar um puxão de orelhas à bloquista, dizendo ser “muito injusto para o PEV, PCP e até para o PS” este “jogo de que tudo o que é bom dependeu” de um de nós e “tudo o que é mau ficou a dever-se aos outros”. “Aquilo que temos que assumir, por inteiro, é o passivo e o activo desta legislatura”. E depois de Catarina Martins tentar desenhar já umas quantas exigências para a próxima legislatura e até para a Lei de Bases da Saúde, Costa voltou a travá-la: “A vida não começa e acaba no acordo com o Bloco.”
Sem negar os contributos dos parceiros, o primeiro-ministro colocou o PS como “a base fundamental” do Governo e suavizou as respostas ao PCP, embora Jerónimo de Sousa tenha usado a mesma estratégia da bloquista, reclamando louros para o partido e acusando o Governo de “impedir mais avanços” nos salários, protecção dos trabalhadores ao eleger o défice como prioridade. Pediu, por isso, “força” ao povo para uma "nova correlação de forças mais favorável aos trabalhadores”. Cauteloso, o primeiro-ministro respondeu que se deve “continuar a caminhar” mas com cuidado, porque “quem se mete em atalhos, mete-se em trabalhos. E para trabalhos já bastou o que bastou.”
Se este debate também foi, em parte, um recuo no tempo, esse salto pareceu maior quando a deputada de Os Verdes se referiu à reposição de rendimentos como “aquilo que PSD e CDS tinham roubado aos portugueses”. O verbo usado por Heloísa Apolónia gerou protestos nas bancadas do PSD e do CDS, tal como acontecia na anterior legislatura.
Nas bancadas da oposição, o PSD fez uma intervenção mais dura pela voz do líder parlamentar - secundada por António Leitão Amaro - enquanto Assunção Cristas escolheu ser mais suave nas críticas ao Governo. Respondendo à pergunta que país temos hoje, Fernando Negrão fez o contraste do “país real” – do mau funcionamento dos serviços, dos transportes, da segurança social, de falta de meios na segurança – e o do país do “está tudo bem” para o Governo. A recuperação de rendimentos “foi engolida por impostos, taxas e taxinhas”, criticou o social-democrata, acusando o Governo de “tirar a todos” para “dar a alguns”.
Já a líder do CDS-PP apresentou-se como a protagonista de uma oposição “firme e construtiva”, considerando que foi “liderante” em propostas na segurança social e na regulamentação do lobbying. Foi um discurso quase sem críticas ao Governo - essas ficaram a cargo do líder parlamentar, Nuno Magalhães, e de dois vice-presidentes da bancada -, mas em que a líder do CDS deixou recados ao PSD. “Fomos firmes na oposição – em muitos casos com o cargo exclusivo de oposição, que as duas moções de censura ilustram”, disse. Já a olhar para as legislativas, Assunção Cristas detalhou uma das propostas fiscais que vai apresentar esta quinta-feira: a redução do IRC para 12,5% em seis anos (actualmente a taxa é de 21%). E desejou ver o país a “crescer 4 ou 5%” por ano.
Com um discurso em que falou da necessidade de reforçar a prevenção na saúde e de cumprir metas ambientais, André Silva, do PAN, apontou o dedo ao ministro da Agricultura por ter ido a uma corrida de touros na “companhia de quem mais ama, o presidente da CAP”.
Sinal de que a legislatura está a chegar ao fim foi o cumprimento de António Costa a todos os líderes parlamentares, da esquerda à direita, no final do debate. Mas horas antes, ao sair do plenário para fazer um intervalo, o primeiro-ministro optou por passar nas bancadas do centro-direita e cumprimentar, com boa disposição, dois deputados da oposição que não serão candidatos em Outubro: Pedro Mota Soares (CDS) e Hugo Soares (PSD).