No meio dos tweets de Trump, Fed sinaliza descida de taxas
Correndo o risco de a sua actuação ser vista como uma resposta às pressões do Presidente, a Reserva Federal dá sinais mais claros do que nunca de que uma descida das taxas de juro nos EUA está no horizonte.
Com a economia a dar sinais de abrandamento e no meio de várias intervenções públicas de Donald Trump a pedir um regresso a políticas mais expansionistas, o presidente da Reserva Federal norte-americana reforçou nesta quarta-feira as expectativas de que uma descida de taxas de juro nos Estados Unidos possa acontecer já no final deste mês.
A falar nesta quarta-feira no Congresso norte-americano, Jerome Powell preferiu marcar o seu discurso pela descrição dos vários riscos para a continuação da expansão da economia norte-americana, que já é a mais longa da história. E, ao mesmo tempo, deixou claro que neste momento não se fazem sentir nos Estados Unidos pressões ao nível da inflação. Combinadas estas duas informações, torna-se ainda mais evidente do que já era que a Fed poderá avançar já na sua próxima reunião para uma descida de taxas de juro, interrompendo o ciclo de subidas que se vinha registando desde há dois anos.
Explicando aquilo que aconteceu desde a última reunião da Fed em Junho (quando os membros do comité que decide as taxas mostraram estar divididos em relação ao que fazer), o responsável máximo da política monetária nos EUA disse que “os progressos aparentes no comércio internacional” se transformaram “numa ainda maior incerteza”, o ritmo de crescimento económico tornou-se mais “moderado” e a confiança nas empresas foi afectada pelo clima de incerteza.
Este cenário leva a que, avisou Powell, “exista o risco de uma inflação ainda mais persistente” do que a antecipada “actualmente”.
Dificilmente se poderia, numa audição no congresso, ouvir sinais mais claros relativamente àquilo que deverá acontecer na próxima reunião da Fed. A autoridade monetária iniciou há dois anos um processo de subida progressiva das taxas de juro, que as trouxe do nível zero adoptado no auge da crise financeira até a um intervalo entre 2,25% e 2,5%, que se verifica desde o mês de Dezembro. Agora, com a economia norte-americana a abrandar, a conjuntura mais incerta e a taxa de desemprego baixa a não se reflectir nos preços, o próximo passo poderá ser o de uma descida de taxas de 0,25 ou 0,5 pontos percentuais. Para já, os mercados reagiram a estas declarações com uma forte subida dos principais índices bolsistas. O índice bolsista S&P 500 atingiu mesmo o seu valor mais alto de sempre.
Uma das dificuldades sentidas pelos responsáveis da Fed nesta altura é mesmo a de não passar a ideia de que estão a ser influenciados por Donald Trump nesta decisão. Nos últimos meses, o Presidente norte-americano tem vindo a criticar publicamente a acção da Fed, defendendo que não existem motivos para as taxas de juro terem sido colocadas a um nível tão alto e apelando a que os cortes comecem a ser feitos rapidamente.
Foi Donald Trump que nomeou Jerome Powell para a presidência da Fed, mas já disse estar arrependido da sua escolha, acusando a instituição de estar a pôr em causa o desempenho da economia e dos mercados financeiros. Na semana passada, o Presidente escreveu na sua conta do Twitter: “O nosso maior problema não está nos nossos concorrentes, está a Reserva Federal.” E o conselheiro económico da Casa Branca classificou uma proposta de dar ao Congresso e ao Presidente um maior controlo sobre a Fed “um ponto de vista interessante”.
Além disso, se substituir Jerome Powell não é uma possibilidade, já no processo de escolha de outros membros da Fed Donald Trump tem proposto nomes que, num passado recente, têm sido fortemente críticos do rumo seguido pela autoridade monetária. As suas duas primeiras escolhas — o antigo candidato à presidência Herman Cain e o comentador Stephen Moore — eram tão radicais que se tornou rapidamente claro que nunca seriam aceites pelo Congresso e acabaram por cair. Uma das novas escolhas possíveis — Christopher Waller da Reserva de St. Louis — é crítico da Fed, mas mais moderado. Outra nomeada, a economista Judy Shelton, já defendeu em público um regresso ao padrão ouro.
Este tipo de declarações e de nomeações trouxe de volta aos Estados Unidos o debate em torno da independência da Fed, sendo cada vez mais clara a ideia de que, o que quer que a Fed faça, vai acabar sempre por sair a perder. Se não actuar baixando as taxas de juro, arrisca-se a ver a economia a cair outra vez numa recessão e a ser vista como a culpada desse resultado. Se optar por baixar as taxas, como agora parece certo, arrisca-se a passar a imagem de que está a ceder às pressões de Trump, algo que poderia manchar, para o futuro, a sua credibilidade.