Intercept Brasil divulga áudio de procurador da Lava Jato a comemorar proibição de entrevista a Lula

A conversa terá tido lugar na noite de 28 de Setembro do ano passado e dizia respeito ao veto do Supremo Tribunal Federal ao pedido da Folha de S.Paulo para entrevistar o ex-Presidente preso.

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Fernando Bizerra Jr./EPA

O site The Intercept Brasil revelou na terça-feira à noite um áudio em que se ouve o procurador da operação anti-corrupção Lava-Jato Deltan Dallagnol a comemorar a proibição de uma entrevista ao ex-Presidente Lula da Silva, em Setembro do ano passado.

“Caros, o Fux [juiz] deu uma liminar [ordem judicial provisória] suspendendo a decisão do [juiz] Lewandowski que autorizava a entrevista, dizendo que vai ter que esperar a decisão do plenário. Agora não vamos alardear isso, não vamos falar para ninguém. Vamos manter [segredo], ficar quieto, para evitar a divulgação o quanto possível. Porque quanto antes for divulgado, mais rápido haverá recurso do outro lado [defesa de Lula]”, diz Dallagnol no início do ficheiro áudio.

“O pessoal pediu para não comentarmos publicamente e deixar que a notícia surja por outros canais para evitar precipitar recurso de quem tem uma posição contrária à nossa. Mas a notícia é boa, para terminar bem a semana, depois de tantas coisas ruins. É para terminar bem o final de semana. Abraços”, comemorou o procurador da Lava-Jato, em conversa com outros elementos do Ministério Público Federal.

A conversa terá tido lugar na noite de 28 de Setembro do ano passado, num grupo de conversa na aplicação Telegram, e dizia respeito ao veto do Supremo Tribunal Federal ao pedido do jornal Folha de S.Paulo para entrevistar Lula da Silva, preso desde Abril de 2018.

É a primeira vez que o portal de jornalismo dirigido por Glenn Greenwald divulga um áudio, após ter começado a publicar, há um mês, mensagens de texto entre promotores e juízes brasileiros, que põem em causa a imparcialidade da Lava-Jato, a maior operação contra a corrupção do Brasil.

De acordo com o The Intercept, na manhã do dia 28 de Setembro de 2018, a poucos dias das eleições presidenciais, a imprensa noticiou que o magistrado do Supremo Ricardo Lewandowski autorizara Lula a conceder a entrevista.

Logo após essa notícia, segundo o portal de jornalismo, os procuradores mostraram-se preocupados com o facto de Lula poder falar, e delinearam estratégias para evitar a entrevista.

“Ando muito preocupada com uma possível volta do PT [Partido dos Trabalhadores], mas tenho rezado muito para Deus iluminar a nossa população para que um milagre nos salve”, escreveu Anna Carolina Resende, que integrava a equipa de investigação da Lava-Jato, ao qual Deltan Dallagnol respondeu: “Reza sim. Precisamos como país”.

Na mesma conversa no Telegram, a procuradora Laura Tessler diz que o direito do ex-Presidente a conceder a entrevista era uma “piada” e “revoltante”, classificando as conversas reveladas como “um verdadeiro circo”.

Já o procurador Januário Paludo partilhou no grupo possíveis estratégias para impedir a entrevista de Lula.

“Plano a: tentar recurso no próprio STF, possibilidade Zero. Plano b: abrir para todos jornais fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona [confusão] mas diminui a chance de a entrevista ser direccionada”, afirmou o procurador.

Contactada pelo Intercept, o ramo da Lava-Jato no Paraná declarou em comunicado que “as supostas mensagens atribuídas a integrantes do grupo de trabalho são oriundas de crime cibernético e não puderam ter o seu contexto e veracidade verificados. Diversas dessas supostas mensagens têm sido usadas, editadas ou descontextualizadas, para embasar falsas acusações que contrastam com a realidade dos factos”.

Desde o dia 9 de Junho que o The Intercept tem vindo a publicar - agora também em conjunto com outros órgãos de imprensa brasileiros - o conteúdo de mensagens que obteve de uma fonte anónima e que põem em causa a imparcialidade da operação Lava-Jato.

Os diálogos obtidos apontam para irregularidades na operação, principalmente as mensagens trocadas entre o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz e actual ministro da Justiça, Sergio Moro.