Aves do Sudeste da Amazónia são as mais afectadas pelo clima
Diversidade biológica da Floresta Amazónica pode estar a ser ameaçada, embora as oscilações climáticas ocorram de maneira distinta em cada região.
A região Sudeste da Amazónia é, historicamente, a mais influenciada pelas mudanças climáticas. Esta realidade afectou as aves desta região mais recente, que ficaram mais vulneráveis. O Sul e Sudeste da Amazónia abrigam, assim, uma menor e mais recente diversidade de aves, que teriam surgido quando o clima esteve propício para o estabelecimento da floresta húmida nesta área. As conclusões são de um artigo publicado esta quinta-feira na revista Science Advances por uma equipa internacional, que inclui três investigadores portugueses do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO).
Ao longo de 200 anos, perderam-se cerca de 47 espécies de aves na região do Sudeste, contextualiza Sofia Silva, investigadora do CIBIO e primeira autora do artigo, referindo-se a resultados de estudos anteriores. Agora, com este trabalho, os cientistas quiseram procurar “uma explicação mais abrangente para a origem da diversidade da Amazónia”, explica ao PÚBLICO. Apesar de já terem sido apresentadas algumas propostas antes, “estas eram demasiado simples para explicar toda a diversidade que existe na Amazónia”, pelo que “este trabalho [mais recente] procurou fazer um modelo histórico que consiga abarcar uma explicação mais abrangente sobre as espécies”.
A diversidade biológica encontrada actualmente na Amazónia, que se relaciona com as oscilações climáticas do passado, ocorre, portanto, de maneira diferente em cada região. Assim, reuniram-se, pela primeira vez, dados de dezenas de espécies de aves amazónicas, com mais de seis mil registos e dados genéticos recolhidos de cerca de mil indivíduos. No total, foram analisados 23 grupos de espécies de aves.
Além de uma distribuição geográfica desigual e que estará ligada às alterações climáticas, o trabalho revela que “as linhagens mais antigas de aves surgiram nas regiões mais húmidas do Oeste e Norte da Amazónia e que teriam originado as linhagens mais jovens a Sul e Sudeste, regiões que são relativamente mais secas”. “Sendo a área do Sudeste da Amazónia a mais sensível, é também uma área que tem altas taxas de desflorestação e que já que perdeu cobertura vegetal”, comenta Sofia Silva, considerando a situação “preocupante”.
No entanto, apesar das várias ameaças ao ecossistema e de “as perdas de floresta por acção humana terem sido significativas”, a investigadora acredita que esta situação é reversível, mais concretamente através de “acções de reflorestação e de uma melhor conjugação entre indústria e ambiente”. A Amazónia representa ainda um importante berço da biodiversidade, ainda que, alerta Sofia Silva, a crise climática e as práticas agrícolas insustentáveis representarem uma séria ameaça ao conjunto e qualidade deste ecossistema tomado como garantido pela humanidade. “Deixámos de ter condições de humidade e temperatura para a Floresta Amazónica e passámos a ter áreas mais secas”, explicou a investigadora.
Segundo um comunicado de imprensa sobre o estudo, em meados do século XIX, o naturalista inglês Alfred Russel Wallace defendia que os rios da bacia Amazónica promoveram o isolamento de populações que, durante várias gerações, se diferenciaram e deram origem a novas espécies. De acordo com a mesma nota, em 1969, a investigação do geólogo alemão Jürgen Haffer, intitulada “A teoria dos refúgios”, avançava com a hipótese de que o isolamento e, por conseguinte, a diferenciação das espécies, ocorreram em refúgios, isto é, regiões isoladas que permaneceram húmidas e mantiveram a sua cobertura florestal durante períodos secos.
Se se considerar os impactos das alterações climáticas actuais, é provável que as mudanças históricas na distribuição da cobertura florestal nesta região voltem a ocorrer, tal como “a perda da diversidade que existe na floresta”, conclui Sofia Silva.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas
Notícia corrigida. A conclusão sobre a perda de espécies ao longo dos últimos 200 anos refere-se a estudos anteriores e não ao artigo agora publicado.