Eis a maior acumulação de macroalgas do mundo
Através de imagens de satélite, conseguiu-se seguir o rasto de sargaço entre o Oeste de África e o golfo do México. Verificou-se que desde 2011 se formou aí o maior florescimento de macroalgas do mundo.
Em Junho de 2018, houve uma mancha de macroalgas entre o Oeste de África e o golfo do México tão densa que se via do espaço. Eram mais de 20 milhões de toneladas de biomassa de sargaço a flutuar no oceano Atlântico – o que equivale a 200 porta-aviões completamente carregados – espalhadas por mais de 8850 quilómetros. Apesar de em Junho de 2018 se ter atingindo o recorde na acumulação de sargaço, esta mancha tornou-se frequente no Atlântico desde 2011. Esta sexta-feira, num artigo científico publicado na revista Science, é considerada o maior florescimento de macroalgas do mundo. Chamam-lhe “Grande Faixa de Sargaço do Atlântico” (GASB, na sigla em inglês).
O sargaço é uma macroalga marinha castanha que no Atlântico pertence sobretudo às espécies Sargassum natans e Sargassum fluitans. Concentra-se no mar dos Sargaços, no meio do giro subtropical do Atlântico Norte, e a sua acumulação pode abrigar um ecossistema com tartarugas, peixes, invertebrados e aves.
Contudo, o aumento da acumulação de sargaço pode dificultar a movimentação e respiração de certas espécies marinhas, sobretudo quando se amontoa nas zonas costeiras. Quando morre e se afunda no oceano, também pode sufocar corais e prados marinhos. Nas praias, o sargaço pode libertar sulfeto de hidrogénio, que faz com que cheire a ovos podres e seja tóxico para os humanos quando ficam expostos a ele de forma crónica.
“Quando se acumula em grandes quantidades na costa, especialmente nas praias caribenhas, o sargaço pode ter um impacto substancial no turismo”, frisam James Gower e Stephanie King, do Departamento de Pescas e Oceanos do Canadá e da consultora canadiana Sea This, respectivamente, num comentário ao artigo também publicado na Science. Em 2018, alguns países como Barbados declaram emergência nacional devido à influência do sargaço no turismo.
Antes de 2011, a maioria da acumulação de sargaço no oceano Atlântico podia ser encontrada a flutuar à volta do golfo do México e do mar dos Sargaços. A partir de 2011, começou a ser frequente encontrá-la no oceano Atlântico Central e na costa de vários países desde Trindade até à República Dominicana e ainda na costa Oeste de África.
Agora, uma equipa de cientistas dos Estados Unidos analisou dados do satélite Modis (Moderate-Resolution Imaging Spectroradiometer) da NASA entre 2000 e 2018. Conclusão: houve mesmo um aumento da concentração de sargaço a partir de 2011, o que deu origem à Grande Faixa de Sargaço do Atlântico. “O primeiro florescimento de sargaço no Atlântico Central formou-se em 2011 e nos últimos anos desenvolveu-se [e resultou na] GASB, que se estende do Oeste de África até ao golfo do México”, lê-se no artigo científico.
“A Grande Faixa de Sargaço do Atlântico representa o maior florescimento de macroalgas no mundo e no registo histórico desde que há satélites”, indica ao PÚBLICO Chuanmin Hu, oceanógrafo da Faculdade de Ciência Marinha da Universidade do Sul da Florida (EUA) e um dos autores do artigo. Apesar de já ter referido este termo num encontro da NASA, Chuanmin Hu diz que é a primeira vez que é usado numa publicação formal.
Um florescimento de algas acontece quando há um rápido aumento destes organismos numa certa região num pequeno período de tempo. “Em geral, nos últimos oito anos, excepto em 2013, a GASB é maior do que outros florescimentos de macroalgas noutras regiões”, ressalva o cientista. Além da GASB no Atlântico, há grandes e frequentes florescimentos de macroalgas no mar Amarelo desde 2008 e no mar da China Oriental desde 2012.
Da desflorestação aos fertilizantes
A grande mancha de sargaço no Atlântico tem um “calendário” anual. Entre Janeiro e Abril, o sargaço começa a acumular-se e a estender-se para o Atlântico tropical. De Abril a Julho, essa acumulação continua a desenvolver-se até se formar a GASB. Em Setembro e Outubro começa a desaparecer.
Nos meses de Verão do hemisfério Norte entre 2011 e 2018 (excepto em 2013), a GASB formou-se sempre e a maior acumulação verificou-se entre 2015 e 2018. Mas o recorde vai mesmo para Junho de 2018, quando este florescimento se estendeu por mais de 8850 quilómetros e tinha mais de 20 milhões de toneladas de biomassa de sargaço.
Mas como se forma? Através de modelos numéricos e medições no terreno, a equipa identificou causas naturais e humanas. Relativamente às causas naturais, há o contributo de muitas sementes que ficam do florescimento do ano anterior e da libertação de nutrientes das águas profundas para a superfície do oceano provocada pelo upwelling (fenómeno de afloramento costeiro que consiste na subida de águas subsuperficiais) na costa Oeste africana no Inverno.
Quanto às causas humanas, pensa-se que houve um aumento da descarga de nutrientes do rio Amazonas para o oceano Atlântico. Este aumento está associado à desflorestação e uso de fertilizantes na Amazónia. “Mas precisamos de investigar mais e ter mais provas para compreender melhor”, sublinha Mengqiu Wang, também da Universidade do Sul da Florida.
Há muito tempo que o sargaço é motivo de atenção no Atlântico, assinalam James Gower e Stephanie King. Autores gregos e romanos mencionaram nas suas obras “estranhas algas” além do estreito de Gibraltar. Cristóvão Colombo foi das primeiras pessoas a reportar o sargaço no Atlântico no século XV. E Júlio Vernes referiu o mar dos Sargaços no seu livro Vinte Mil Léguas Submarinas (1870).
Actualmente, a equipa continua a analisar a GASB e a fazer previsões para os próximos meses, que são publicadas online. “Basicamente, a situação actual é semelhante à de 2015, o ano do segundo maior florescimento de sargaço. Há muita acumulação desta alga no Atlântico tropical, nas Caraíbas e no golfo do México”, refere Chuanmin Hu. E Mengqiu Wang ilustra: “Neste momento, as zonas costeiras perto do mar das Caraíbas, do México e da Florida têm muito sargaço.” Ambos os investigadores dizem que é provável que esta situação continue nos próximos anos e se torne no “novo normal”.