Mudança da NOVA Direito para Carcavelos tem a oposição do Conselho Científico
Presidente do órgão, Bacelar Gouveia, escreveu carta aberta a criticar a decisão e a lembrar que a mudança teve o voto contra de dois terços dos professores da faculdade.
A decisão de transferir a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL), conhecida por NOVA Direito, de Campolide, em Lisboa, para Carcavelos, no concelho de Cascais, “esteve muito longe de respeitar os padrões exigíveis por um princípio democrático que deve orientar as universidades e as faculdades públicas”. A acusação é do presidente do Conselho Científico da faculdade, Jorge Bacelar Gouveia, que critica a decisão de alto a baixo e antevê consequências nefastas, desde logo a “perda de identidade” da faculdade.
Numa carta aberta a que o PÚBLICO teve acesso, Bacelar Gouveia critica antes de mais a falta de transparência no processo de decisão, mesmo depois de aprovado o Plano Geral de Valorização de Activos Imobilizados, documento com a data de 7 de Maio e já aprovado pelo Conselho Geral e pelo Conselho de Curadores da UNL. Ali se afirma como “prioridade 1” a deslocação da Faculdade de Direito “para um terreno a 200 metros do espaço da NOVA SBE [School of Business and Economics, antiga Faculdade de Economia], numa lógica de fazer um saber integrado em Economia, Negócios e Direito”.
Essa ideia de integração é o que motiva o título da carta aberta de Bacelar Gouveia: “Uma ‘faculdadezinha’ do Direito das Empresas e dos Negócios junto à ‘feira de Carcavelos’?” Nela, o mais antigo professor da NOVA Direito contesta tudo, desde o “sinuoso e obscuro procedimento de decisão” da transferência da faculdade às “desastrosas consequências” que terá, passando pelos “errados pressupostos” que a justificam. O PÚBLICO questionou a Reitoria da UNL sobre este assunto mas, 24 horas depois, ainda não recebeu resposta.
Sobre a falta de transparência do processo de decisão, Bacelar Gouveia lembra como o assunto começou a ser falado à boca pequena no início deste ano, altura em que questionou a directora da Faculdade sobre o assunto, que confirmou que o tema era “falado”, mas “controverso”. Meses mais tarde, a 15 de Maio, Bacelar Gouveia agendou uma reunião do Conselho Científico com um ponto na ordem de trabalho sobre a questão dos novos espaços, “a pedido da directora”, com base num documento “vago e até algo incompreensível em que se falava ‘romanticamente’ da valorização dos espaços da UNL”.
“O Conselho Científico da Faculdade de Direito (que tem a vantagem de integrar todos os professores da Faculdade) teve ocasião de se pronunciar sobre o assunto, tendo a maioria dos seus professores – “desconfiados”, digo eu, de que o “ponto” era, pura e simplesmente, o da transferência para Carcavelos, ainda que tal não tivesse sido assumido através de uma melíflua linguagem – manifestado a opinião contrária de não ir para Carcavelos, e esta posição foi apenas sustentada pelos três membros da direcção e por mais dois professores. Todos os outros, numa maioria de quase dois terços, se mostraram contrários a essa peregrina ideia, além de se insistir na falta de informação”, escreve o presidente do órgão na mesma carta aberta.
Para Bacelar Gouveia, “as datas não enganam”, pois os planos dos novos espaços “aconteceram antes quer da reunião do Conselho Científico, quer da reunião que a directora teve depois com os funcionários, dando o facto como consumado”, pois já tinha sido decidido pelo Conselho Geral e pelo Conselho de Curadores. “Tenho hoje uma ideia muito clara – que se foi tornando progressivamente nítida – de que sempre houve desde o início um ‘acordo escondido’ para transferir a Faculdade de Direito para Carcavelos feito nas ‘costas’ dos órgãos da Faculdade e sem que tivesse havido a gentileza, no momento azado, de nos ser perguntado o que quer que fosse sobre tal questão.”
Uma “faculdadezinha”?
Em termos científicos, Bacelar Gouveia critica os pressupostos de que haveria vantagem em transformar a Faculdade de Direito numa “NOVA Business School” e por isso aproximá-la fisicamente da NOVA BSE. “Há aqui um óbvio erro de perspectiva: a Faculdade de Direito da NOVA nunca será uma Faculdade de Direito dos Negócios e das Empresas e nem o pode ser do ponto de vista da sua genética. Quem assim pensa ou é ignorante ou quer desfigurar a essência da Faculdade!”, afirma Bacelar Gouveia, acrescentando que isso seria “amputá-la em 80% da sua essência”.
Este professor considera mesmo que, a haver afinidades entre unidades orgânicas que justifiquem a proximidade geográfica, da parte da Faculdade de Direito elas são muito maiores com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas do que com a Faculdade de Economia, tanto pelo número de disciplinas com professores comuns como nos cursos de mestrado e doutoramento.
Em termos de consequências, Bacelar Gouveia considera que a primeira é “a perda da identidade da Faculdade”, seguidas do afastamento em relação às instituições com as quais ela se relaciona no ensino e no mercado de trabalho – “o Direito hoje também se ensina com convites feitos às profissões jurídicas, como juízes, procuradores, advogados”, que se concentram no Palácio da Justiça “a 200 metros da Faculdade de Direito”, ou nos grandes escritórios de Lisboa.
Onde é que eles se concentram em maior densidade? Precisamente na cidade de Lisboa, estando a 200 metros da Faculdade de Direito o principal edifício da justiça cível do país, o Palácio da Justiça, para não falar de outras instituições. O que leva o professor a questionar: “Haverá alguma pessoa ilustre que se disponha a perder uma tarde ou noite para dar uma aula aberta em Carcavelos?”
O responsável sustenta ainda na “inadmissível frustração de expectativas” dos funcionários e docentes em relação ao local de trabalho, e considera que os alunos irão preferir as outras faculdades em detrimento da NOVA Direito devido ao seu afastamento do centro da cidade, que desde a sua fundação, em 1996, funciona no Campus de Campolide.
Por isso, conclui apelando aos órgãos da UNL e da faculdade que revertam a decisão tomada, pois “terá um efeito devastador na identidade e no futuro da NOVA Direito, que como Faculdade pequena tem maiores vulnerabilidades, a começar pela coesão interna que se fragilizará pela fractura que dali nascerá na comunidade académica – sobretudo nos professores e funcionários, maioritariamente contra essa transferência para Carcavelos.”