UE e Mercosul fecham compromisso político para assinar tratado de livre comércio
Negociações chegam ao fim exactamente 20 anos depois do seu lançamento. Exportadores europeus vão poupar quatro mil milhões de euros em tarifas e custos alfandegários.
Os negociadores da União Europeia e do Mercosul alcançaram esta sexta-feira um compromisso político que permite fechar o processo de negociações que se arrastava há duas décadas e avançar para a assinatura de um ambicioso tratado de livre comércio entre os dois blocos, abrangendo 780 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto combinado de 16 triliões de euros.
“Este é um momento histórico”, anunciou a comissária europeia com a pasta do Comércio, Cecília Malmström, que assinalou a coincidência de o acordo político ter sido encontrado 20 anos depois, exactamente no mesmo dia do lançamento oficial das negociações. No âmbito do tratado de livre comércio – a principal componente do acordo de associação política e de cooperação que será assinado pela UE e os quatro países que compõem o Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai –, serão eliminadas praticamente todas as tarifas que actualmente vigoram nas trocas comerciais entre as duas regiões.
Além das “enormes oportunidades” económicas que se abrem com a assinatura do acordo (ainda sujeito à aprovação do Parlamento Europeu e algumas assembleias nacionais), a comissária para o Comércio destacou o facto de os dois blocos terem fixado critérios em termos de respeito pelos direitos laborais e protecção do meio ambiente, nomeadamente com a adesão às metas definidas pelo Acordo de Paris para o Clima.
Em nome dos quatro países do Mercosul, Jorge Marcelo Faurie, o ministro argentino dos Negócios Estrangeiros, salientou a importância estratégica do acordo, que facilita o crescimento e desenvolvimento inclusivo e sustentável da região, mas também o compromisso com o sistema multilateral assente em regras.
A UE é a principal parceira comercial dos países do Mercosul. Segundo estimativas, a liberalização comercial permitirá aos exportadores europeus poupar cerca de quatro mil milhões de euros em tarifas e custos alfandegários que actualmente penalizam a entrada de automóveis (35%) e outra maquinaria (20%), produtos químicos e farmacêuticos (18% e 14%), têxteis e calçado (35%) ou ainda produtos agrícolas, caso do vinho ou azeite português, no vasto mercado sul-americano.
Os países do Mercosul comprometeram-se a aprovar o quadro legal indispensável para garantir que as regras de origem e indicações geográficas europeias, que salvaguardam a proveniência, protegem a denominação de mais de 350 produtos alimentares europeus. A UE também viu consagradas as suas exigências em termos de serviços marítimos e condições de acesso e participação de empresas europeias nos concursos públicos para contratos federais e estaduais dos quatro países sul-americanos.
Pelo seu lado, os sul-americanos mostraram-se satisfeitos com a quota de carne bovina que será autorizada a entrar na Europa com tarifas reduzidas — a sua objecção ao patamar de 1% da produção e 2% do consumo que estava previsto pelos europeus impediu que o acordo fosse fechado mais cedo. Esta continua a ser matéria controversa em países com maiores interesses na produção pecuária, caso da França, Irlanda e Polónia, mas como garantiu o comissário europeu para a Agricultura, Phil Hogan, “as quotas serão cuidadosamente geridas para assegurar que não há risco de uma inundação do mercado que ameace o rendimento dos agricultores europeus”.
De acordo com o eurodeputado socialista Francisco Assis, que presidiu à delegação do Parlamento Europeu para as relações com o Mercosul, o tratado entre a UE e o Mercosul “representa uma oportunidade de ouro para o sector exportador português”, principalmente tendo em conta que o país já mantém uma relação privilegiada com o Brasil, “que é a principal potência económica, demográfica, política e cultural do Mercosul”, assinalou. Um estudo da Universidade Católica calculou um impacto positivo de 0,2% no PIB nacional.
Mas para Assis, a aliança com o Mercosul traz outros benefícios importantes, uma vez que “o acordo de associação comporta uma dimensão de cooperação política, institucional, cultural e científico-tecnológica com efeitos positivos na mobilidade de trabalhadores, empreendedores, estudantes e investigadores”.
Em contraste com a agressiva política comercial proteccionista que começou a ser seguida pelos Estados Unidos depois da eleição de Donald Trump, a União Europeia tem coleccionado nos últimos anos assinaturas em acordos de livre comércio, fixando condições preferenciais para as trocas comerciais com grandes economias como o Canadá, México, Japão e agora o Mercosul. Desde 2014, a UE “consolidou a sua posição como o líder global em comércio livre e sustentável”, firmando alianças com 15 países, salientou Cecília Malmström.