Quererá o PSD casar com a Carochinha do PS na Lei de Bases da Saúde?
Para além das acusações sobre quem tem culpa pela degradação do SNS, o debate ficou marcado pelo afastamento entre Bloco e PS. Socialistas prometem redução do tempo de espera na próxima legislatura.
Foi um debate recheado de estatísticas, termos médicos, regressos ao passado, viagens pelos corredores dos hospitais e até com uma história para crianças. Mas desta vez (ainda) não viveram felizes para sempre.
Depois de ter ouvido o deputado socialista António Sales questionar os deputados se estão disponíveis “para pôr a partidarite de lado, esquecer as eleições” e aprovar uma Lei de Bases da Saúde “melhor do que a actual”, o bloquista Moisés Ferreira imaginou logo o PS na pele da Carochinha que se pôs à janela a “lançar a cantiga apenas ao PSD” e quis saber se os sociais-democratas estão dispostos a casar com o PS e também porque é que os socialistas só cantam para o PSD.
O deputado socialista viu-se obrigado a vir garantir que o “repto não foi para o PSD; foi amplo, para a câmara; não queremos casar com ninguém”, provocando risos e comentários na bancada do Bloco. No encerramento do debate, o social-democrata Miguel Santos deixou a porta aberta ao dizer que “pode haver uma Lei de Bases da Saúde, mas é preciso voltar à realidade, adoptar um espírito sério, negar as questões ideológicas e ter sentido de responsabilidade”.
Governo não falta aos privados, diz... PSD
Mas a Carochinha surgiu já a meio do debate de duas horas que o PSD agendou para discutir as dificuldades no acesso dos cidadãos à saúde, no qual não compareceu qualquer representante do Governo. Antes já o tema da Lei de Bases da Saúde tinha sido puxado para a discussão mas sem grandes respostas.
Na abertura do debate, Ricardo Baptista Leite (PSD) dedicou-se a contrariar os diagnósticos de sucesso do Governo, apontando sucessivamente problemas nas respostas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aos utentes. “Se há mais dinheiro e mais profissionais, porque é que o SNS está pior?” O Governo faz “execuções abaixo dos 50%”, não faz planeamento nem aposta nos profissionais – a última prova é o encerramento alternado das maternidades - e, “em quatro anos, depois de tantas promessas, nem um novo hospital começou”, apontou. “Olhem para o que o Governo orçamenta, mas não olhem para o que o Governo faz”, ironizou.
O deputado social-democrata usou depois argumentos que também se têm ouvido ao PCP e ao BE contra o PS: “A quem o Governo nunca faltou foi aos privados. Nunca estes fizeram tanto dinheiro à conta do SNS. Empurra doentes para os privados enquanto esvazia o SNS.”
Quando Baptista Leite subiu à tribuna para abrir o debate marcado pelo PSD havia na sua bancada apenas 19 deputados e nem o líder parlamentar, Fernando Negrão, estava na sala do plenário – eram 33 quando se sentou para ouvir as perguntas dos outros partidos.
O socialista Luís Soares contra-atacou para rematar com um pedido habitual, apontando para a direita: “Estão em condições de pedir desculpa pelo estado em que deixaram o SNS?” Antes enumerara medidas do executivo de Passos Coelho para o sector, desde o aumento das taxas moderadoras e do pagamento do transporte de doentes, encerramento de serviços, falta de investimento. Os “ataques” que a direita fez ao SNS foram repetidos por todos os partidos à esquerda. Mais tarde, António Sales daria outra bicada ao PSD, do qual disse que “já não esconde a colagem disfarçada que pretende fazer às boas medidas e às prioridades anunciadas pelo PS e pelo primeiro-ministro na área da saúde”.
Foi o Bloco, com quem o PS partiu a corda primeiro nas negociações da Lei de Bases da Saúde, quem colocou o dedo na ferida apontando a “contradição” de Baptista Leite ao dizer que “não pode contar com o PS para nada” mas anda a negociar com ele na nova lei. “Parece que o PS está a contar com o PSD para manter as PPP na saúde (…) Afinal, o que espera o PSD do PS e que negociação é esta? O que os une? É um negócio que no final desta legislatura veio juntar os dois.” Moisés Ferreira não teve resposta de Baptista Leite e depois insistiu que a política do PSD “não é para os doentes nem para o SNS; é para os privados. Sabendo o PS disto, então porque está a negociar com o PSD?”
O PCP e o PEV aproveitaram a onda. O comunista João Dias, enfermeiro de profissão, acusou PS e PSD de serem “mestres do disfarce” por mostrarem tantos “arrufos” em público enquanto negoceiam. “Depois de [Baptista Leite] se mostrar tão zangado e com um tom tão agressivo, estou a imaginar como decorrem os arranjinhos com o PS…”, ironizou o ecologista José Luís Ferreira, que acrescentou que depois do “estado em que PSD e CDS deixaram o SNS qualquer coisinha seria melhor”. Apesar de algumas medidas positivas do actual Governo, os comunistas insistiram em apontar as deficiências na saúde, reclamando que há ainda muito por fazer e que os orçamentos permitem “dar resposta para tomar as medidas que neles foram aprovadas”.
Palpite certeiro
As taxas moderadoras foram citadas pela centrista Ana Rita Bessa como o exemplo de que a esquerda não se entende e quis saber o que o PS realmente pensa. A deputada desejou ter jogado na lotaria quando há duas semanas o fim de algumas taxas moderadoras proposto pelo Bloco foi debatido e aprovado no plenário e então disse que o assunto iria suscitar controvérsia na discussão na especialidade. O PS travou entretanto o BE, exigindo que seja uma medida a aplicar faseadamente, e não já em Janeiro – “Centeno exigiu que arranjassem uma boa desculpa”, disse a centrista.
Além de recusar ser a Carochinha, o socialista António Sales argumentou, sobre as taxas, ser preciso “dar passos seguros e consistentes”, com “gradualismo e progressividade”, e que não se pode cair na “simplificação de dar tudo a todos”. Os tempos de resposta são o “grande problema a que temos que responder na próxima legislatura”. Moisés Ferreira não gostou da justificação e comparou o discurso de Sales ao “discurso do diabo de Passos Coelho”. “Com tanta demonização no acesso aos cuidados de saúde, o PS parece estar a precisar de um exorcismo neste final de legislatura”, avisou o bloquista. Jamila Madeira insistiria: “Os recursos são finitos e temos que os redireccionar.”
O que falta dizer é que os protagonistas do debate – entre os que aqui estão e outros que também intervieram - são os mesmos que se sentam à mesa para discutir a Lei de Bases da Saúde.