Árvores de fruto destruídas por cabras em Coimbra e Portalegre
Denúncia é da Associação de Protecção e Socorro que recebeu 19 queixas de proprietários, mas apenas em três casos, diz, confirmou de que terão sido cabras sapadoras. Autarquia e pastores garantem que proprietários confundem esses animais com corços, as chamadas “cabras do mato”.
Árvores de frutos e outras culturas de proprietários privados terão sido destruídas por cabras sapadoras em Coimbra e Portalegre. A denúncia é Associação de Protecção e Socorro (APROSOC). A associação recebeu 19 queixas, mas ao contrário do que havia inicialmente dito ao PÚBLICO, apenas em três casos há confirmação de que a destruição terá sido provocada pelos animais que têm por missão limpar os terrenos como forma de combate aos incêndios.
Após a notícia do PÚBLICO, publicada na segunda-feira, João Paulo Saraiva, director da APROSOC, salientou que afinal só três casos estariam confirmados, nomeadamente na Aldeia de Miro (Penacova, Coimbra), Belver (Gavião, Portalegre) e Sail (Arganil, Coimbra). “Nalguns casos ficámos com dúvidas, porque às vezes a população confunde as cabras com corços, a que chamam “cabras do mato”. A confirmação foi dada por um associado nosso, porque as cabras estavam identificadas com uma placa verde na orelha”, explicou João Paulo Saraiva.
O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que desenvolve um programa de incentivo a pastores com cabras sapadoras já havia sublinhado que não tinha “conhecimento de prejuízos causados por efectivos abrangidos pelo programa, sendo que, caso ocorram, são da responsabilidade do gestor do efectivo, tal como ocorre com os prejuízos causados a terceiros por qualquer outro tipo de actividade”.
O ICNF explicou ainda ao PÚBLICO que neste momento estão a decorrer candidaturas a este programa em 24 concelhos - os concelhos de Penacova, Gavião e Arganil não constam dessa lista. Da listagem, o concelho de Góis é o único que poderá estar mais próximo da Aldeia de Miro e do Sail, distando cerca de 20 quilómetros dessas localidades.
João Paulo Saraiva admitiu que “desconfiavam” que aquelas cabras pudessem pertencer a programas locais, “daí o ICNF dizer que não tem conhecimento da situação”. Referiu ainda que nas queixas relativas ao Sail e à Aldeia do Miro “[os queixosos] dizem que são as cabras colocadas na Lousã que se afastaram”.
“As cabras não vão fazer 20 quilómetros sozinhas”
Fonte da Câmara de Arganil, adiantou que houve uma medida “relacionada com cabras”, um programa lançado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, ao abrigo do Projecto Recomeçar, na zona de Cepos (Arganil) e Casal Novo (Lousã, Coimbra).
Mas fonte do gabinete de assessoria da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa afirmou que o projecto já tinha sido aceite pela instituição e que “aguarda a autorização da câmara para a construção do cabril, pelo que, de momento, ainda não há lá cabras deste projecto”.
“O que ficou assente foi que seria construído um cabril, e que as cabras andariam em espaços vedados. Mas mesmo assim, estaríamos a falar em 20 quilómetros de distância [entre estas zonas e o Sail]. As cabras não são animais para fazer essa distância, ainda por cima estamos a falar de uma zona montanhosa”, acrescentou a fonte da Câmara de Arganil.
O argumento da distância é também utilizado por Luís Fontinhas, pastor de um rebanho de cabras sapadoras que faz parte do programa do ICNF: “Não são as cabras que vão fazer 20 e tal quilómetros sozinhas [ao afastarem-se do rebanho]. Quando muito fazem um quilómetro”, conta.
Luís Fontinhas recusa ainda a possibilidade de estes animais não terem sido controlados e terem escapado para zonas privadas. “As cabras têm de andar sempre acompanhadas. No programa do ICNF só operamos nas faixas primárias, no topo das serras, onde não há culturas. Essas cabras que dizem que andam a estragar árvores de fruto são corços, que as pessoas costumam chamar de ‘cabras do mato’”, explica o pastor, esclarecendo ainda que o seu rebanho dorme num edifício fechado e vedado dentro dessa mesma faixa primária.
Sublinhou ainda que as suas cabras possuem dois “brincos”, um laranja e outro “azul esverdeado”, indicadores da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária e da raça autóctone.
Com um misto de tristeza e revolta, Luís Fontinhas diz que a utilização de cabras para fazer a limpeza de mato “é mal aceite por alguns sectores”, uma vez que as cabras têm de ser bem controladas por forma a não causarem estragos. Fala ainda do “preconceito” que se foi passando de geração em geração no interior do país, de que as cabras estragam sempre os trabalhos dos agricultores.
“À partida [as cabras] podem parecer prejudiciais, mas os principais inimigos da floresta são as monoculturas e o facto de se tirarem os animais dos solos. Temos de mudar a dinâmica como se olha para a floresta. Têm de se juntar várias actividades para chegarmos a algum lado. Se trabalharmos e protegermos bem a floresta, tudo o resto – o turismo, a valorização do interior e dos seus produtos – vem por arrasto”, defende.
E de facto, vários proprietários queixaram-se. Maria Helena de 70 anos, da povoação do Sail (Arganil), foi uma das visadas. Tem um terreno com cerca de 100 árvores de fruto, mas 80 delas foram estragadas. “Algumas das árvores até já estavam a dar cerejas… Fomos plantando o terreno porque sobreviveu ao fogo, não queríamos que ficasse com mato. Tivemos tanto trabalho e agora deparo-me com tudo destruído”, conta ao PÚBLICO.
Também António Armando de 63 anos, do Vale do Espinho (Arganil), se queixa de árvores de fruto e videiras destruídas. Constatou por si próprio que tinham sido cabras a causar os estragos. “Já as vi no meu terreno. Até na estrada as encontro. Uma vez, uma dessas cabras saltou para a frente do meu carro. Só não tive um acidente porque não calhou”, explica António Armando.
O PÚBLICO entrevistou cinco proprietários e todos afirmaram que as cabras não são supervisionadas por nenhum pastor. No entanto, segundo o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural “o controlo dos animais é assegurado pelo respectivo proprietário [das cabras] através dos meios que considere mais adequados para a realidade do seu território”, devendo ainda estar “obrigados a cumprir a normas de identificação de cada animal que decorrem do Sistema Nacional de Informação e Registo Animal (SNIRA)”.
O certo é que estes, e muitos outros terrenos, não estão vedados. Das cinco pessoas contactadas pelo PÚBLICO, todas afirmaram que não lhes compensa, ou que não têm dinheiro para construir vedações. Também João Paulo Saraiva dá conta desta realidade: “Tivemos um senhor de 93 anos que o que recebe mal dá para pagar medicamentos, nem sequer tem água canalizada em casa. Como é que ele vai pagar uma vedação?”, questiona.
Texto corrigido por Pedro Sales Dias
Notícia corrigida às 19h40 desta sexta-feira. A APROSOC disse, entretanto, ao PÚBLICO que apenas em três casos terá confirmado que foram cabras sapadores a destruir as culturas. Esses animais poderão estar a ser usados em programas locais e não do ICNF, mas autarquia e pastores dizem que serão corços e não cabras sapadoras.