Refugiados são já mais de 70 milhões, número recorde
Em 2018, não menos de 37 mil pessoas foram forçadas por dia a abandonar as suas casas devido a guerras, conflitos e perseguições. Há mais de 111 mil crianças a viajar sozinhas ou em campos de refugiados.
Nunca houve tantos refugiados no mundo desde que as Nações Unidas os começaram a registar. Em 2018, segundo o Alto Comissariado para os Refugiados, ultrapassaram os 70 milhões de pessoas – uma em cada 108 do total da população mundial. É o maior recorde dos últimos vinte anos. Por dia, não menos de 37 mil pessoas foram forçadas no ano passado a abandonar as suas casas devido a guerras, conflitos e perseguições.
Em 2018, 13 milhões de pessoas foram obrigadas a fugir das suas casas por causa de conflitos, com a Venezuela a contribuir com mais de quatro milhões de refugiados e a Etiópia com um milhão, dos quais 98% são deslocados internos, segundo a agência humanitária internacional.
Do total dos mais de 70 milhões de refugiados registados, 25 milhões são refugiados e 41,3 milhões são deslocados internos nos países com guerras, conflitos e perseguições. A que se juntam mais 3,5 milhões requerentes de asilo. Números considerados conservadores pelos autores do estudo da agência das Nações Unidas.
As crianças são uma parte significativa do total dos refugiados, muitas das quais viajam sozinhas e assim permanecem nos campos de refugiados e de deslocados internos, perfazendo mais de 111 mil. São os elementos mais frágeis.
Mais de dois terços dos refugiados são oriundos da Síria, do Afeganistão, do Sudão do Sul, da Birmânia e da Somália. O país de Bashar Al-Assad é campeão no número de refugiados: 6,7 milhões.
“O que estamos a ver com estes números é mais uma confirmação de uma tendência de longo prazo no aumento do número de pessoas que precisam de segurança da guerra, conflitos e perseguição”, disse o Filippo Grandi, Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, apelando ao “redobrar da solidariedade para com tantos milhares de pessoas inocentes forçadas a fugir das suas casas todos os dias”.
Um apelo que não deixa de soar mais como alerta. Nos últimos anos, continua o Grandi, testemunhou-se à “queda abrupta da solidariedade e generosidade” para com os refugiados, derivado da linguagem “divisiva”, “especialmente em comunidades que acolhem grandes números de refugiados”.
Números que não deixam de contrastar com os da década passada, quando o número de refugiados diminuiu significativamente: 41 milhões em 2009. E os campos de refugiados não acompanharam a tendência de crescimento da última década: entre 2017 e 2018, o número de vagas caiu para metade – campos mais que sobrelotados e sem condições dignas são a consequência.
No ano passado, apenas 92,400 refugiados foram realojados, representando menos de 7% do total à espera dessa oportunidade – a maioria aguarda como pode entre quatro a cinco anos. E um em cada cinco espera 20 anos pelo realojamento.
“Muito poucos países aumentaram o número de vagas de realojamento”, explicou Nazanin Ash, vice-presidente de políticas e advocacia no International Rescue Committee, ao jornal britânico. “A maioria dos países diminuiu ou pelo menos não atingiu os seus objectivos. Está a ter um impacto devastador. Nada mudou para estas populações [deslocadas] – a sua necessidade de segurança apenas aumentou, a sua vulnerabilidade apenas cresceu”.
“A comunidade internacional está a provar ser incapaz ano após ano de garantir a paz. Temos um número de conflitos regionais, alguns dos quais atraíram actores internacionais. Se se olhar para o mundo, é muito difícil imaginar esses conflitos a serem resolvidos”, disse Matthew Saltmarsh, do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas (ACNUR), ao Guardian.
A travessia do Mediterrâneo
Ainda que não seja o principal destino dos refugiados, a União Europeia viu chegar ao seu território mais de um milhão de refugiados e imigrantes – número que perfaz pouco mais de 2% da sua população total, contrastando, por exemplo, com a situação libanesa, onde cada uma em seis pessoas é refugiada.
A par com as operações militarizadas no Mediterrâneo com coordenação da Frontex ou à responsabilidade de Estados individuais, vários Estados-membros da União Europeia, entre os quais a Hungria de Viktor Orbán, optaram pela construção de muros e vedações, no que muitos passaram a chamar “Fortaleza Europa”. Agora, o Governo italiano, pela mão do seu vice-primeiro-ministro de extrema-direita, Matteo Salvini, tenta criminalizar o resgate de refugiados e imigrantes ao acusar criminalmente os activistas de direitos humanos que participam nas operações – o português Miguel Duarte corre o risco de ser condenado a 20 anos de prisão.
Itália e Grécia são os principais destinos de quem tenta chegar ao continente europeu pelas águas que separam a Europa do Norte de África.
Só no Mediterrâneo já morreram mais de dez mil pessoas (número conservador) desde o começo da crise, em 2013, com 555 a perderem a vida entre Janeiro e Junho deste ano, segundo dados revelados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) esta segunda-feira. Em 2018, 2262 refugiados e imigrantes morreram ao tentar atravessar o Mediterrâneo, de acordo com o ACNUR. E milhares caem na armadilha do tráfico humano, principalmente na Líbia.
Entre Janeiro e Junho deste ano, 24,645 refugiados e imigrantes chegaram à Europa por via marítima, uma descida de 33% face ao ano anterior, segundo a OIM. Todavia, a imigração continua a ser a grande bandeira de forças políticas de extrema-direita na Europa, fomentando divisões na sociedade que por vezes resultam em actos violentos - os ataques, com pedras e cocktails molotv, a campos de refugiados na Grécia são um exemplo.