Há mais 1752 homens e 12 helicópteros para combater as chamas. Falta mobilizar os proprietários dos terrenos
Dois anos depois de Pedrógão, muito mudou na prevenção e no combate aos incêndios. Mas ainda falta abanar a estrutura. Essa, vai sofrer nova transformação em Outubro, mas falta o essencial: que os proprietários de terrenos entrem no jogo.
O Verão de 2017 trouxe mais consciência aos portugueses sobre o risco dos incêndios, trouxe alertas para os políticos e lançou a todos o desafio: é preciso mudar tudo para que não volte a acontecer tudo outra vez. A pergunta tem sido feita com regularidade: afinal o que mudou depois dos trágicos fogos de há dois anos, que mataram mais de uma centena de pessoas?
As respostas surgem em várias frentes. No combate, há mais homens na luta, mais veículos e mais meios aéreos. Na prevenção, houve programas de promoção de alteração de comportamentos junto de aldeias e mais sapadores florestais. É suficiente? “As medidas tomadas foram as necessárias. Para serem suficientes temos de alterar a paisagem com forte envolvimento e compromisso dos proprietários”, diz ao PÚBLICO Tiago Martins Oliveira, da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).
Foi mais fácil actuar na conjuntura, no curto prazo, dando mais meios e aumentando orçamentos, vai ser mais difícil alterar o paradigma, isto é, mudar estruturalmente. “No estrutural do território continua tudo na mesma. Os sinais não são encorajadores”, defende o presidente do Observatório Técnico Independente (OTI), Francisco Castro Rego.
O OTI, criado no Parlamento para fazer avaliações do sistema de combate a incêndios, fez um balanço sobre estes dois anos e concluiu que “do ponto de vista do combate, “há alguns passos que é preciso evidenciar, como o reforço dos meios”. No entanto, acrescenta o professor do Instituto Superior de Agronomia, “da parte da estratégia, não sentimos que tenha havido ainda esse investimento”.
O combate
Depois dos incêndios, o Governo optou por responder no curto prazo com um aumento dos meios no terreno, mas também com algumas alterações na forma como se considera que se deve combater um incêndio. Em relação a 2017, no pico da época crítica, há hoje mais 1752 operacionais disponíveis (num total de 11.492), mais 530 veículos de combate (no total 2595) e mais 12 meios aéreos de combate, incluindo quatro que têm como missão coordenar as operações (num total de 60).
O aumento de meios é acompanhado por uma nova organização que já começou, mas que ainda vai ter mais evoluções. Os Grupos de Intervenção Protecção e Socorro (GIPS) da GNR têm o papel principal nesta nova estrutura, fazendo parte das equipas dos helicópteros ligeiros que partem logo para o ataque inicial dos incêndios. O objectivo: conseguir controlar incêndios no seu início, impedindo-os de crescer de forma descontrolada.
A partir de Outubro, entram finalmente em vigor as novas leis orgânicas da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), que demoraram a sair do forno. Será aí começa a maior revolução? “Não é revolução, é transformação”, diz Tiago Oliveira, que acrescenta que a partir de Outubro se notará mais o investimento na profissionalização (apesar de já estar aprovado o Estatuto da Força Especial de Bombeiros) e haverá uma “harmonização dos dois edifícios, o que protege as pessoas e outro que combate o fogo”.
O OTI nota que pouco ainda foi feito ao nível da formação dos operacionais. “Há muita necessidade de formação, não tem havido praticamente investimento”, diz Francisco Rego. A Escola Nacional de Bombeiros continua igual, mas Tiago Oliveira contrapõe com a aprovação de vários projectos de investigação que ajudam a levar conhecimento para o sistema.
Levar conhecimento era a tarefa da chamada bolsa de peritos. “É um núcleo muito reduzido e que tem dificuldades. Está longe do teatro de operações. A AGIF ainda não tem um braço armado: é um bom embrião, mas precisava de ser mais desenvolvida”, defende o presidente do OTI.
A prevenção
A prevenção dos incêndios foi a aposta forte do Governo, mas a longo prazo “a parte estrutural demora mais a arrancar”, diz o responsável da AGIF. Contudo, já “há resultados”. Um deles é a redução das ignições, que provocam incêndios. “Em 2018 conseguiu-se uma redução em 46% do número de ignições (é certo que a meteorologia ajudou). Este ano vamos com menos 20% da média dos últimos 10 anos”, diz Tiago Oliveira Martins.
No ano passado, a equipa de António Costa andou pelo país a promover a limpeza das matas. A acção de marketing político tinha por trás a intenção de sensibilizar os proprietários privados para esta limpeza, mas falta mais. Faltam os proprietários de terrenos florestais, mesmo os que estão longe de aglomerados populacionais, juntarem-se ao jogo e gerirem ou darem a gerir os seus terrenos. “Não podemos insistir nas receitas do passado, agora reforçou-se a prevenção, mas tem de se garantir que chega ao território. As manchas florestais continuam com pouca intervenção. Enquanto a terra está lá sem ser gerida, está a prejudicar a população”, admite Tiago Oliveira.
Para reduzir o impacto, nos últimos dois anos foram criados 3000 km de aceiros, uma duplicação que de pouco servirá se a floresta não estiver organizada. “O fogo salta. Dá mais segurança a quem combate.” Apenas isso. A grande luta agora passa por cativar e mobilizar os privados que detêm 98%.
Neste ponto, o OTI está de acordo. Francisco Rego diz que é no território que falta a maior acção a partir de agora, que, por ser de grande dimensão é por natureza mais difícil e morosa. O presidente do Observatório acredita, no entanto, que poderia estar a ser feito mais. Rego critica os planos regionais de ordenamento florestal e diz que “os programas de apoio à diversificação da floresta não são suficientemente conhecidos e apelativos para os tornar competitivos”.
A pergunta muda: ao fim de dois anos estamos mais preparados? Os dois lados acreditam que sim, mas há um “mas” que se chama “alterações climáticas”. Este “mas” irá trazer a Portugal cada vez mais incêndios de grande dimensão: “A organização do sistema para lidar com este tipo de ocorrências, deu alguns passos, mas ainda fica aquém”, acredita Francisco Rego. “Estamos um pouco mais preparados, mas para que o sistema seja capaz, tem de haver menos vegetação na floresta, não há outra forma de resolver.”