“Tudo o que é bom é feito devagar ou com vagar”: 20 anos de Ler Devagar

A livraria instalada na LX Factory é uma história de resistência no actual contexto de retracção do sector livreiro. José Pinho, fundador e director geral, faz uma retrospectiva das lutas das duas décadas que se festejam este sábado com a edição de um livro.

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ANDREIA GOMES CARVALHO
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“Eu não acho que as coisas têm de durar assim tanto tempo, mas se tiver de ser que seja”, diz José Pinho, um dos fundadores da livraria Ler Devagar. “Se durar três séculos, que dure três séculos; se for três dias, que sejam três dias. Tudo tem o seu tempo e não é preciso durar para além dele.”

Para já, ainda não foram três séculos, mas também não foram só três dias. São 20 os anos que a livraria Ler Devagar está a celebrar em 2019 e que este sábado assinala, pelas 19h, com uma festa e com o lançamento de um livro comemorativo.

Fundada em 1999 no Bairro Alto, em Lisboa, esta livraria de fundos (livros editados há mais de 18 meses) teve desde então de “abrir várias portas”. Mudou de espaço três vezes, até que em 2009 encontrou residência permanente na LX Factory, em Alcântara, onde ainda se encontra.

Ao PÚBLICO, José Pinho adianta várias razões para a longevidade desta experiência, num contexto marcado pela retracção do tecido de livrarias independentes, esmagadas pelo domínio dos dois grandes grupos editoriais, LeYa e Porto Editora, e pela concentração da oferta nas cadeias Fnac e Bertrand e em grandes superfícies como o Continente. E inclui nessas razões o factor sorte: “Conseguimos manter as portas abertas porque encontrámos sempre uma porta para nos receber. Ocupámos sempre espaços periclitantes, arruinados e abandonados, a pagar ou não renda; de cada vez que o edifício se tornava apetecível para o imobiliário, tínhamos de sair. A nossa sorte foi termos encontrado outras portas que se foram abrindo. Mantivemo-nos assim à tona até chegarmos à LX Factory, o sítio onde permanecemos durante mais tempo.”

Os leitores, claro, também contribuíram, acrescenta: “Têm vindo em cada vez maior quantidade e a comprar mais livros. Em contraciclo com aquilo que tem acontecido na maior parte das livrarias, temos sobrevivido com a clientela. Não precisámos de dinheiro do banco nem de mais dinheiro dos sócios: desde que viemos para aqui não tivemos mais sufocos financeiros.”

Livrarias independentes como a Ler Devagar, admite, são uma espécie em vias de extinção, devido à incapacidade para competirem com gigantes como a Fnac ou a Bertrand. “A abertura da primeira livraria no Bairro Alto coincidiu com a inauguração da primeira Fnac [Chiado]. Quando a vimos a abrir, pensámos: ‘Bem, vai ser problema’. Mas como aquilo a que nos queríamos dedicar, os livros que não são novidade nem bestsellers, não tinha nada a ver com o que eles faziam, não tínhamos concorrência, e ainda hoje não temos. Grande parte dos livros que temos aqui não está na Fnac.”

José Pinho, o entusiasta dos livros que também lançou o projecto de fazer de Óbidos uma vila literária, não só não é um fã destes grandes espaços comerciais – ou, como lhes chama, “campos de concentração de clientes” –​, como acredita que em breve esta tendência irá mudar. “Ainda hoje descobri que nos últimos meses abriram cinco livrarias em Lisboa com uma certa dimensão e promessa. É um bocado estranho assistir ao fecho e agora ao reabrir. Espero que os compradores de livros se tenham apercebido de que é melhor comprar livros nas livrarias de bairro ou de rua do que nos centros comerciais.”

Dos locais aos forasteiros

Para celebrar os 20 anos da livraria, os responsáveis pelo projecto decidiram publicar um livro, 20 Anos a Ler Devagar, em que contam grande parte da história destas duas décadas através de textos, imagens e dedicatórias de sócios e amigos.

O livro, que José Pinho descreve como “magnifico”, terá 500 exemplares, que estarão disponíveis para compra na loja. Nele se conta também a história da revista, intitulada Devagar, que deu origem à Ler Devagar. “O nome foi-me introduzido pelo autor da revista, o António Ferreira, e vinha de uma frase do Príamo: ‘Tudo o que é bom é feito devagar ou com vagar’. Quando abrimos a loja decidi seguir a mesma linha de pensamento.”

Em retrospectiva, o fundador considera que a livraria que abriu em 1999 e a actual "são o oposto uma da outra”, e, paradoxalmente, “exactamente a mesma”.

“Fala-se muito do Bairro Alto por ter sido um momento de ruptura, subversivo: não havia mais nada parecido em Portugal. Os sócios fundadores decidiram abrir as portas mesmo que não vendêssemos um livro. Não tínhamos receio de nada nem de ninguém”, conta. Se corresse mal, viveriam com isso: “Cotizamo-nos e pagamos a renda todos os meses, fazemos da loja a nossa sala de estar e o nosso ponto de encontro: a livraria funcionou assim durante muito tempo.” Hoje “tem mais do dobro do tamanho e as pessoas dispersam-se mais”. E tem “outro inconveniente, apesar de ser uma vantagem a nível financeiro”, diz José Pinho: muito mais movimento.

O que também se alterou foram os hábitos e as caras dos clientes. No Bairro Alto, muitos deles eram “escritores, jornalistas e frequentadores” do bairro. Ainda há clientes habituais, mas já não é fácil dar por eles “porque acabam por se misturar no meio dos outros que entram e depois nunca mais voltam”.

Entre esses novos frequentadores acidentais da Ler Devagar estão, expectavelmente, os turistas estrangeiros, alguns dos quais José Pinho vê tratarem a livraria como um cenário fotográfico. Mas há excepções: “Há muitos outros turistas que vem cá comprar livros: os nossos maiores compradores são brasileiros e franceses, vendemos mais livros aos estrangeiros do que aos portugueses. Fizeram-nos bem em termos económicos, apesar de nos chatearem, porque é muito confusão.”

O optimismo é um traço evidente deste livreiro que, apesar de não ter a certeza se estará cá nos próximos 20 anos para celebrar o 40.º aniversário da Ler Devagar, acredita que a livraria está agora a celebrar apenas os seus “primeiros 20 anos”

“Às vezes perguntam-me se vai durar mais 20 anos. Não faço ideia. Costumo dizer o mesmo dos casamentos e dos namoros: enquanto duram são eternos. Vamos pensar ‘agora vou apaixonar-me por esta pessoa, mas apenas por três meses’? Não, vamos pensar que nos vamos apaixonar eternamente, mesmo que esse amor acabe no dia seguinte.” Texto editado por Inês Nadais

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