Álvaro Amaro sobre buscas na Câmara da Guarda: “Não sei de nada”

Câmaras do Norte e Centro do país, empresas públicas e privadas e habitações foram alvo das 50 buscas realizadas esta quarta-feira por 200 homens da Polícia Judiciária. A Transdev é o principal operador rodoviário nestas regiões. É provável que ainda hoje sejam constituídos arguidos.

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Paulo Pimenta
A investigação ainda continua, esclarece a PJ
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A investigação ainda continua, esclarece a PJ Fábio Augusto

A Polícia Judiciária realizou, na manhã desta quarta-feira, uma operação policial envolvendo 50 buscas domiciliárias e não-domiciliárias, que incluíram 18 câmaras municipais do Norte e Centro do país, outras entidades públicas e empresas de transporte. Em causa, segundo um comunicado colocado na página da Internet daquela força policial, estão suspeitas da prática de corrupção, tráfico de influências, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder. É provável que ainda hoje sejam constituídos arguidos. 

A Operação Rota Final foi realizada pela Directoria do Norte da PJ, com o apoio de vários departamentos de investigação criminal e da Directoria do Centro, no âmbito de um inquérito do Ministério Público – Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra. Estiveram envolvidos 200 elementos da PJ, entre inspectores, peritos informáticos, peritos financeiros e contabilísticos, que procuraram provas relacionadas com o que acreditam ser um “esquema fraudulento da viciação de procedimentos de contratação pública, com vista a favorecer pessoas singulares e colectivas”.

Segundo o comunicado da PJ, o esquema permitiu que fossem influenciadas “decisões a nível autárquico com favorecimento na celebração de contratos públicos de prestação de serviços de transporte, excluindo-se das regras de concorrência, atribuição de compensação financeira indevida e prejuízo para o erário”. Haveria também favorecimento na contratação de funcionários.

Os responsáveis para que isso fosse possível seriam, para a PJ, “quadros dirigentes de empresa de transporte público, de grande implementação em território nacional, com intervenção de ex-autarcas a título de consultores, beneficiando dos conhecimentos destes”. Todos agiriam de forma concertada. Existem ainda suspeitas de cartelização, delito que em Portugal não constitui crime mas que está ligado à participação económica em negócio. Ou seja, haverá empresas que terão actuado em conluio entre si, lesando assim o erário público. 

As câmaras visadas nesta operação foram as de Águeda, Almeida, Armamar, Belmonte, Barcelos, Braga, Cinfães, Fundão, Guarda, Lamego, Moimenta da Beira, Oleiros, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Sertã, Soure, Pinhel e Tarouca. De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, o principal operador rodoviário nestes concelhos, com vários contratos por ajuste directo, é a Transdev, que trabalha no mercado com várias marcas.

As cores políticas destas autarquias repartem-se: oito são dirigidas pelo PS, outras tantas pelo PSD. Em Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro, o presidente é Duarte Novo, do CDS-PP. Em Águeda, no mesmo distrito, a autarquia é controlada pelo independente Jorge Almeida. A investigação começou em 2017, em Lamego. 

Álvaro Amaro desconhece o processo em que alegadamente está envolvida a sua gestão na Câmara da Guarda, uma das autarquias alvo das buscas. O vice-presidente do PSD, recém-eleito eurodeputado, soube da existência da investigação pelo telefonema do PÚBLICO: “Não sei de nada”, respondeu o social-democrata, que se encontra em Espanha, quando questionado sobre o facto de a PJ estar a investigar alegados favorecimentos entre autarquias e uma empresa de transportes.

Segundo dados do Portal Base [que disponibiliza informação sobre a formação e execução dos contratos públicos], a Câmara Municipal da Guarda celebrou, desde 2011, contratos com o grupo Transdev no valor de 966.171,36 euros. Desse número, 774.211,66 euros dizem respeito ao período em que Álvaro Amaro foi presidente da Câmara. O vice-presidente do PSD exerceu funções na autarquia entre Setembro de 2013 e Abril de 2019. 

Câmara da Guarda diz que “eleitos em exercício” não foram constituídos arguidos

O presidente da autarquia da Guarda, Carlos Chaves Monteiro (PSD), esclareceu entretanto em comunicado que "nenhum dos colaboradores ou eleitos em exercício” no município “foram constituídos arguidos ou obrigados a prestar quaisquer declarações”.

Na mesma nota, o autarca, que substituiu Álvaro Amaro no cargo, depois de este ser eleito deputado europeu, confirma que, na manhã desta quarta-feira, a Câmara Municipal “foi objecto de buscas nas suas instalações por parte de agentes da PJ, no processo de inquérito que corre termos na Procuradoria da República da Comarca de Coimbra”. “No âmbito destas buscas, foi solicitado pela PJ um exame e a consulta de um conjunto de processos relativos à contratação de serviços, nomeadamente de transportes”, esclarece Carlos Chaves Monteiro. Segundo a nota do autarca social-democrata, “o município da Guarda, em face das buscas realizadas, prestou a necessária e a adequada colaboração com vista ao cabal esclarecimento da verdade nos presentes autos”.

Outras autarquias alvo de buscas nesta operação também já reagiram. Barcelos, cujo presidente pediu uma substituição de cargo, por estar em prisão domiciliária no âmbito da Operação Teia, emitiu um curto comunicado confirmando que agentes da PJ estiveram nos paços do concelho entre as 10h e as 12h30, tendo-lhes sido prestada “toda a colaboração solicitada”. Por ali aguarda-se “com serenidade o desenrolar do inquérito”. À Lusa, a Câmara de Belmonte também confirmou a presença da PJ nas suas instalações, durante a manhã e desde as 9h, tendo os agentes solicitado "documentação variada”. Também aqui terá sido prestada “toda a colaboração do presidente da câmara e funcionários da autarquia”, segundo o comunicado enviado à agência de notícias.

Mais polémicas foram as palavras do presidente da Câmara de Oleiros, Fernando Marques Jorge, que ligou a investigação a declarações que fez criticando o Governo de António Costa. “Alguém neste país anda a comer as câmaras, mas Oleiros não deixa. Podem fazer aquilo que quiserem, porque aqui não há corrupção. Já sabemos que, quem se mete com algumas pessoas, leva”, afirmou, citado pela Lusa. O social-democrata acrescentou: "A Câmara de Oleiros está a pagar muito menos do que anteriormente. Aquilo que sei é que a PJ está a investigar os transportes no concelho, o que não me admira em virtude das entrevistas e afirmações que tenho feito publicamente e sei que isso mexe com alguém. Basta ver o que tenho dito”.

Marques Jorge garantiu ainda que a situação dos transportes no concelho é hoje melhor do que quando chegou à autarquia. “Quando cheguei à Câmara de Oleiros, esta pagava de transportes escolares e de apoios à Transdev uma determinada verba, que era significativa. Ano após ano, rescindi contratos, porque achava que estava a pagar demasiado dinheiro”, afirmou à Lusa Fernando Marques Jorge.

Já em Moimenta da Beira, a reacção é para que “se investigue” tudo o que há para investigar. À Lusa, o socialista José Eduardo Ferreira explicou que a Transdev "há muito tempo que faz as carreiras públicas no município e nos outros da região e que, por isso, foi feito o ajuste directo para o transporte escolar”. “Que se investigue. E que onde não há ilegalidade, onde se comprove que se cumpre o interesse público municipal, como é o caso de Moimenta da Beira, que se clarifique, até porque o código de contratação pública foi alterado e eles são mais antigos no tempo”, acrescentou.

O autarca explicou que “havia várias empresas de transportes na zona que, entretanto, a Transdev adquiriu”, pelo que, “ficou a fazer sozinha o município de Moimenta [da Beira] e os restantes na região.”

com Ana Henriques

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