“A gastronomia teve sorte por Bourdain ter escolhido este mundo. Podia ter escolhido qualquer arte”

Até a nona. O comentário de José Avillez resume o debate que incluiu Miguel Pires e João Wengorovius no lançamento de duas novelas gráficas de Anthony Bourdain, repletas de sátira e violência gastronómicas, em edição da Levoir com o jornal PÚBLICO.

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Wengorovius, Avillez e Pires entre boas memórias de Bourdain Andreia Carvalho

Foi cozinheiro, escritor, viajante, celebrizou-se como apresentador radical de programas de gastronomia, entre bad boy e rock star como se lê muitas vezes. Mas Anthony Bourdain, que morreu faz dia 8 de Junho um ano, fez mais, mesmo sem sair das cozinhas do mundo: foi co-autor de novelas gráficas, incluindo duas onde o (anti-)herói é Jiro, um renegado chef de sushi capaz de matar se alguém lhe pedir um rolo Califórnia ou mergulhar o sushi em soja e wasabi (ele corta mesmo cabeças, CHOK!). “Sátira”, “violência” e “excesso”, como se ouviu esta quinta-feira no auditório do jornal PÚBLICO, numa conversa que marcou o lançamento de Get Giro! Todos Querem Apanhar o Jiro! e Get Giro – Sangue e Suhi.

“Ele apanhou muito bem a sátira, entre outros exageros por aqui”, dizia João Wengorovius – autor do livro We, Chefs em que entrevista e come com 21 grandes chefs do mundo –, ao lado de José Avillez, que não evitou um sorriso ao ouvir o comentário do terceiro participante, o jornalista e crítico gastronómico Miguel Pires, à abordagem satíricas das novelas de um “certo histerismo” da “cultura de ir ao restaurante que toda a gente quer ir”.

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Tal como nas novelas gráficas co-assinadas por Bourdain, não faltou sátira e bom-humor à conversa, até um outro personagem invisível, Henrique Sá Pessoa (com quem Avillez andou a passear com o apresentador por Lisboa e a partilhar pregos na cervejaria Ramiro) – o chef do Alma teve que cancelar a participação no último momento mas, se este artigo fosse um manga, ver-se-ia agora aqui com as orelhas a arder, já que os participantes fizeram questão de integrá-lo na conversa e não lhe pouparam uma ou outra simpática farpa.

Com um público atento, o diálogo foi-se desenhando entre as memórias das passagens de Bourdain por Portugal – esteve cá por três vezes, a mais célebre a tal passagem por Lisboa –, a sua vida e carreira e, claro, estas criações gráficas nas quais o apresentador de Não Aceitamos Reservas ou Viagem ao Desconhecido (o programa de viagens gastronómicas que estava a fazer quando morreu) tinha manifesto orgulho. “Chegou a sonhar ser artista de banda desenhada, descrevendo estes livros como o ‘seu primeiro amor’”, lembra Catarina Lamelas Moura no prefácio ao primeiro livro.

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“A gastronomia teve sorte por Bourdain ter escolhido este mundo. Podia ter escolhido qualquer arte”, diria, a dado ponto, Avillez. Ninguém o contradisse, mas o ponto assente foi que Bourdain, que como chef não se distinguiu particularmente, sublinharia Miguel Pires, era, isso sim, dono de uma arte maior, a da “empatia, de conhecer o outro”, nas palavras de Wengorovius. Era, acima de tudo, “um grande comunicador”, “um grande contador de histórias”, reforçaria Avillez. Fosse na tv, nos livros ou nas novelas gráficas (escreveria outra, com histórias de horror japonesas, Hungry Ghosts – i.e., fantasmas esfomeados…).

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Bourdain em Lisboa em 2011 Rui Soares

“Ele revolucionou a forma de mostrar as gastronomias do mundo”, “como as pessoas comem”, “sem andar à procura do postalinho”, ressaltaria Pires, salientando o aspecto sócio-cultural dos seus programas: era sempre “um comunicador” sem render-se só “ao sentido técnico”, fosse no Japão ou a “comer uma bifana cheia de molhanga”.

Da sua convivência com Anthony Bourdain em Portugal, Avillez lembrou “uma pessoa muito reservada”, “muito disciplinada”. E que não era apenas aquele famoso bad boy. Bom exemplo: “fomos ao Mar da Palha pescar e ele estava preocupado com os seus sapatos de camurça”. Cada um com as suas manias, curiosas, no caso, vindas do homem que, além de ter sido chef do restaurante do português José Meirelles em Nova Iorque (Les Halles), muito contou dos meandros da alta (e baixa) cozinha. Foi assim que nasceu o livro Kitchen Confidential e, provavelmente, como aposta Wengorovius, também muitas destas personagens e histórias das novelas gráficas foram beber a “vivências” e “conhecimentos” de Bourdain. E ainda atira: “Ele andava a provar o mundo. Provar o mundo é uma lição de vida”.

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Get Giro! Todos Querem Apanhar o Jiro! e Get Giro – Sangue e Sushi (este último é, na verdade, uma prequela) foram co-assinados por Bourdain e Joel Rose (um amigo do apresentador e autor da DC Comics, editora inicial da saga), contando com desenho de Alé Garza no primeiro e de Langdon Foss no segundo. A história inicial acompanha o cozinheiro numa Los Angeles do futuro obcecada até à medula por comida, a prequela mostra as origens do chef entre o pai, membro da máfia Yakuza, e a paixão pela gastronomia japonesa. A partir de sábado estão disponíveis novas edições, distribuídas com o jornal PÚBLICO e foram estas edições que alguns dos presentes no lançamento aproveitaram para espreitar, prancha a prancha. No final, houve sushi para todos. Rolos Califórnia não havia. Aproveitámos todos para mergulhar tudo no molho de soja que vinha a acompanhar. Não apareceu nenhum Jiro para nos cortar a cabeça.

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