União Africana suspende Sudão após repressão violenta de manifestantes

Mais de 40 corpos de manifestantes pró-democracia foram descobertos nas águas do rio Nilo, nas proximidades de Cartum. Mas o número de mortos às mãos dos militares deverá ultrapassar os 150.

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Os militares têm reprimido brutalmente a oposição democrática LUSA/AMEL PAIN

A União Africana anunciou esta quinta-feira a suspensão do Sudão da organização “até ao estabelecimento efectivo de uma autoridade de transição liderada por civis”, apresentada como única solução viável para o país “sair da crise” - posição partilhada pelo Reino Unido e Estados Unidos. Entretanto, o presidente da União Africana e primeiro-ministro do Chade, Moussa Faki Mahamat, pediu uma “investigação imediata e transparente para identificar todos os responsáveis” - a Human Rights Watch já tinha pedido uma investigação.

Em causa está não apenas a brutal repressão dos últimos dias, mas principalmente a descoberta de mais de 40 corpos de manifestantes pró-democracia nas águas do rio Nilo nas proximidades de Cartum, capital do Sudão, esta quinta-feira. Tudo indica terem sido mortos pelas Forças de Apoio Rápido (FAR), milícia apoiante do Conselho Militar de Transição (CMT) e que no passado foram acusadas de massacres no Darfur.

Os corpos encontrados no Nilo somam-se a outras 108 mortes de manifestantes, avançadas pelo Comité Central dos Médicos Sudaneses, a que se juntam outras 500 pessoas feridas com balas após a repressão do acampamento pró-democracia em frente ao Ministério da Defesa. Foi a pressão deste acampamento que levou à queda do ditador Omar Al-Bashir, às mãos dos militares.

Encobrimento

Os corpos foram encontrados com blocos de cimento amarrados, no que está a ser encarado como tentativa dos militares sudaneses para esconder o número real de mortos na repressão dos últimos dias. Espera-se que o número de mortos suba nos próximos dias.

“Ainda estamos à procura do meu primo. Ele estava lá [no acampamento]. Temos a esperança de que esteja a ser tratado em algum lado e que não nos possa contactar”, disse ao Guardian um activista, que preferiu manter o anonimato por receio de retaliações.

Dados que contrastam com os 61 mortos, dos quais 49 civis, revelados pelo director-geral do Ministério da Saúde sudanês, Suleiman Abdel Jabbar, de acordo com a Reuters. Na quarta-feira, o número de mortos oficiais encontrava-se nos 41.

As FAR são lideradas por Mohamed Hamdan Dagalo, vice-presidente do Conselho Militar de Transição, órgão que assumiu o poder depois da deposição de Bashir. “Temos de impor a autoridade do Estado através da lei”, afirmou Dagalo numa comunicação televisiva, garantindo tudo fazer para evitar que o país caia no caos.

Dagalo tem levado as suas declarações à letra, ao dar ordens aos milicianos para reprimirem os manifestantes a sangue frio, usando inclusive ameaças e violações como instrumento de repressão – as mulheres sudanesas têm assumido um papel destacado nos protestos pró-democracia.

Os militares ordenaram o bloqueio das redes sociais e o encerramento da representação da Al-Jazira, mas aos poucos têm surgido relatos de os milicianos estarem a perseguir os manifestantes hospitalizados. Pelo menos um hospital foi alvo de rusga, segundo o Guardian. Também têm ocorrido operações militares em bairros considerados centros da contestação. Os moradores erigiram barricadas improvisadas para travar os militares, foram detidos líderes do heterogéneo movimento pró-democracia.

A Associação de Profissionais Sudaneses, líder do movimento pró-democracia, pediu aos seus apoiantes que bloqueassem estradas e pontes para “paralisar a vida pública por todo o país” – já antes tinha apelado à greve geral.

Detenções condenadas

Um dos detidos é Yasir Arman, vice-presidente do SPLM-N, partido que sempre se opôs ao regime de Bashir, inclusive pela luta armada. Regressou do exílio prometendo  encetar negociações de paz e de transição para um governo civil, mas acabou detido depois de se reunir com a comissão política do Conselho Militar de Transição (CMT). A detenção foi condenada por inúmeros movimentos da oposição democrática.

“Yasir regressou a Cartum para participar num diálogo pacífico. A sua detenção prejudica a reivindicação da junta de estar interessada em negociar a transição para um governo civil”, reagiu no Twitter a embaixada dos Estados Unidos no Sudão. Posição partilhada pela embaixada britânica: “Neste momento, precisamos de construir confiança. Não de escaladas. Pedimos a sua libertação imediata. O CMT não consegue reconstruir a confiança com semelhante acção”.

Na terça-feira, um dia depois de terem reprimido os manifestantes do acampamento, os militares recuaram e anunciaram a sua disposição em dialogar com a oposição democrática, que, por sua vez, recusou qualquer negociação. O líder dos militares, Abdel Fattah al-Burhan, já tinha marcado eleições para daqui a nove meses para se iniciar a transição democrática – o principal ponto de discórdia entre os militares e a oposição têm sido os moldes e prazos da transferência de poder dos primeiros para civis.

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