A Escola da Noite entra na geometria criativa de Augusto Baptista
Espectáculo-performance, O Homem Que transforma o Teatro da Cerca, em Coimbra, na casa de um autor que é escritor, fotógrafo e desenhador
À entrada do Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, onde reside a companhia Escola da Noite, um painel de enigmas escritos por Augusto Baptista cobre a fachada. As frases levantam tantas interrogações quanto o próprio autor, figura relativamente desconhecida, escritor de breves contos, jornalista, fotógrafo, desenhador de geometria variável.
O Homem Que, com estreia marcada para esta quarta-feira, é um espectáculo-performance que adapta pela primeira vez o trabalho de Augusto Baptista ao teatro. Pelo menos, a vertente que é possível adaptar. A parte que resta ocupa os outros espaços do edifício. Na peça encenada por António Augusto Barros são costurados micro-contos de vários livros, como aquele que lhe dá nome, de 2008, mas também O Medo Não Podia Ter Tudo (1999), Histórias de Coisa Nenhuma (2000), O Caçador de Luas (2002) e alguns textos inéditos.
No soalho, um quadrado que se divide em sete peças serve de base a uma cenografia despojada: dois triângulos grandes, dois pequenos, um médio, um quadrado e um paralelogramo. Simplificando, um tangram à escala humana, jogo geométrico que capta o interesse de Augusto Baptista e sobre o qual se debruçou, ao ponto de ensaiar em livro 1111 figuras de gatos a partir das sete peças (gatopardo, 2010). Quando lhe chegou o livro O Homem Que, Augusto Barros identificou aí um ponto de partida. “Actores, em cima de peças de tangram, a criar os movimentos, os sons, que aqueles textos e aquelas figuras iam exigindo”, explica.
As figuras angulosas que acompanham os actores assumem assim papéis diferentes: ora são ilhas, outeiros ou ovos. “O público tem de estar disponível para embarcar”, legenda Baptista. “Essa viagem do prosaico ao sublime interessou-nos muito. Interessou-nos muito introduzir esta poética que se desprende da geometria”, completa o encenador. Ao mesmo tempo, Barros encontrou nos textos “o inesperado, o humor, o outro lado das coisas”, como são exemplos os micro-contos “Vivia aterrado pela ideia de poder um dia morrer de repent” (assim mesmo, sem terminar a palavra) ou “Quem inventou o til era marinheiro, seguramente”.
De fora do palco ficam outros labores do autor, que podem ser observados num percurso proposto pela companhia. O espectador começa a entrar no mundo de Augusto Baptista mesmo antes de entrar no edifício, com os enigmas. No foyer, uma exibição de fotografias com dois núcleos: um conjunto de retratos a preto e branco de pessoas com mais de cem anos e o seu Porto, entre sombras e neblinas, captadas com uma máquina digital rudimentar.
Já na sala, à esquerda, está uma faixa com desenhos – “uma intervenção gráfica que tenho dificuldade em dizer o que é”, descreve Baptista. Percorrendo-a, chega-se a uma traseira do placo, onde são projectadas fotografias de cena que Augusto Baptista captou para a Escola da Noite.
Foi por aí que começou a ligação à Escola da Noite. “O Augusto é nosso cúmplice”, explica Barros, para contar de seguida que lhe foram chegando as edições de autor de Baptista. “Foram-me caindo umas em cima das outras até que comecei a perceber que entre texto e tangram estava aqui uma obra enorme que, aos poucos, pacientemente, ia sendo construída”, recorda. O resultado da selecção é O Homem Que, em exibição até dia 30 de Junho.