O bom gigante e a estrada secundária para o sucesso

Se fosse possível utilizar um GPS para determinar as rotas disponíveis para o sucesso na alta competição, teríamos seguramente uma mão-cheia de possibilidades em carteira. Umas mais directas e sem solavancos, outras pedregosas e a convidarem a uns quilómetros adicionais. Umas de consumo quase imediato, outras de “degustação”, mais apaixonantes. O desporto, enquanto reflexo da vida, tem essa capacidade de desafiar o inverosímil e de celebrar no final o que à partida parecia condenado. E Virgil van Dijk chegou a parecer perdido para o futebol.

A recente sugestão de Ronald Koeman, seleccionador da Holanda, pode soar a disparate entre algumas franjas de adeptos e agentes da modalidade: um central sem supremos atributos técnicos eventual vencedor da Bola de Ouro? Basta olhar para o palmarés do troféu para concluir que não é, de todo, vulgar um defesa bater a concorrência nesta corrida — aconteceu somente com Fabio Cannavaro, em 2006, e com Franz Benckenbauer, em 1976 (se bem que reduzir a expressão do futebol do “Kaiser” às atribuições de um central é quase uma ofensa ao legado que deixou). Ainda assim, isso não invalida que o nome do gigante holandês seja, pelo menos, lançado para a fogueira do debate.

Há uma cativante aura de superação no percurso de Van Dijk que reforça o interesse na sua ascensão. Rodeado, durante a formação, de alguns promissores talentos da escola holandesa, mais talhados para prolongarem o ADN do futebol de Johan Cruyff, o central foi empurrado para segundo plano por diferentes treinadores no início da carreira. Não baixou os braços e chegou ao futebol profissional aos 20 anos, para representar o Groningen. E foi justamente quando começava a afirmar-se que se viu internado e em perigo de vida, na sequência de uma peritonite. 

Um teste de resistência, mas também de carácter e de vontade que superou com distinção após meses de paragem forçada. Ele, que não se tinha poupado a lavar pratos ao final do dia, quando ainda jogava no Willem II, estava disposto a recuperar o tempo perdido. Consciente de que precisava de mais trabalho de aperfeiçoamento do que alguns dos virtuosos com os quais convivera na juventude, redobrou o esforço, ganhou espaço na Eredivisie e chamou a atenção do Celtic.

Uma mudança para a Liga escocesa pode não ser o sonho de um futebolista ambicioso, mas foi um passo seguro para Van Dijk. Jogou com regularidade, desenvolveu aptidões que quase desconhecia (como a marcação de livres directos) e aprimorou um dos grandes trunfos que hoje apresenta: a impassibilidade. Mesmo no discurso, troca sempre a palavra nervosismo por entusiasmo, seja qual for contexto.

Esse condimento facilitou uma imediata adaptação à Premier League dos “remediados”, em 2015, quando assinou pelo Southampton, e mais tarde dos ricos, quando se juntou ao Liverpool a troco de 84,5 milhões de euros. Passava, então, a ser o defesa mais caro da história do futebol, mas o que poderia ser um fardo para alguns, para o holandês não passava de um número.

Marcou no primeiro jogo oficial pelos “reds” e, desde então, tem vindo a provar à direcção do agora campeão europeu que não se equivocou quando aceitou o pedido de Jürgen Klopp para a sua contratação. Com um posicionamento rigoroso, uma estatura (1,91m) e impulsão que lhe dão vantagem nos duelos aéreos, uma agilidade que lhe permite recuperar metros na defesa da profundidade e um “faro” especial para o desarme, Virgil (nome que ostenta na camisola) é, aos 27 anos, um dos melhores do mundo na sua posição. E um autêntico gigante também quando é forçado a enfrentar adversários no um contra um, já que é uma raridade alguém, mesmo no viveiro ímpar de qualidade que é a Liga inglesa, conseguir superá-lo num drible.

Goste-se mais ou menos do estilo, venha ou não a ganhar um troféu individual de dimensão planetária (até porque já foi eleito o melhor jogador da Premier League 2018-19), Van Dijk já fez da sua história um exemplo. E a mais valiosa lição que tem para dar é o prazer genuíno que retira de cada jogo, uma arma que lhe permite transformar tensão em racionalidade, a melhor amiga de uma boa tomada de decisão. 

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