Medicina Legal em risco de extinguir-se se não forem tomadas medidas urgentes
A Ordem avisa que a situação é “muito preocupante”, só estando preenchidas 63 das 215 vagas do quadro de pessoal do instituto, sendo frequente o recurso à contratação externa de peritos em regime de avença, a que acresce um “êxodo de profissionais”.
A Ordem dos Médicos acusa o Ministério da Justiça de negligência para com os médicos especialistas em Medicina Legal, avisando que a especialidade pode acabar por extinguir-se em menos de 10 anos se não forem tomadas “medidas urgentes”.
Num comunicado enviado à agência Lusa, a Ordem teme que o sistema médico-legal público, da forma como existe actualmente, venha a acabar, havendo o risco de se perder o acesso a perícias de forma “isenta e gratuita”.
Segundo a Ordem, cerca de 70% das vagas do quadro de pessoal médico do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) estão por preencher, sendo que a ministra da Justiça não terá respondido à “audiência urgente” pedida há mais de três meses pelo bastonário dos médicos.
A Ordem avisa que os números reflectem uma situação “muito preocupante” a nível nacional, só estando preenchidas 63 das 215 vagas do quadro de pessoal do instituto, sendo frequente o recurso à contratação externa de peritos em regime de avença.
A isto acresce um “êxodo de profissionais” que se traduziu na saída de 14 médicos especialistas nos últimos anos.
“A carência de capital humano é gritante”, refere a Ordem dos Médicos, havendo actualmente “apenas nove assistentes graduados seniores (não existem concursos para seniores desde 2006), cinco assistentes graduados, 12 assistentes com o grau de consultor que ainda não foram promovidos à categoria de assistente graduado por motivos exclusivamente financeiros (os mais antigos desde 2011), nove assistentes a aguardar marcação de prova pública para obtenção do grau de consultor e sete especialistas a aguardar entrada na carreira de assistente (não foram contemplados com abertura de vagas em Maio de 2019)”.
No comunicado, a Ordem nota que não há perspectivas de progressão na carreira e frisa que a situação na Medicina Legal é “calamitosa”.
“A curto prazo, a formação de médicos internos de Medicina Legal, que decorre exclusivamente no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, encontra-se em sério risco. Consequentemente, e caso não sejam tomadas medidas urgentes, a especialidade de Medicina Legal extinguir-se-á num período inferior a 10 anos”, avisa o bastonário.
A Ordem refere que o INMLCF poderá perder a sua capacidade de formar novos médicos, levando a que acabe o sistema médico-legal público, pelo menos da forma como existe actualmente, correndo o risco de se perder o acesso público a perícias médico-legais “isentas e gratuitas”.
Fora do sector público há cerca de 55 médicos especialistas em Medicina Legal, sendo que 25 têm mais de 65 anos.
“Recentemente, o Ministério das Finanças terá autorizado a abertura de apenas 10 vagas para progressão na carreira, contrariando o pedido de 16 vagas realizado pelo INMLCF. Uma decisão incompreensível face à situação calamitosa que se vive actualmente na Medicina Legal”, acrescenta o comunicado.
A estrutura representativa dos médicos relata ainda carências nas condições de trabalho, como infra-estruturas, espaços físicos ou falta de material adequado para a realização das perícias solicitadas.
“A desigualdade de tratamento e a negligência do Ministério da Justiça para com os médicos especialistas em Medicina Legal ultrapassou a linha vermelha”, escreve o bastonário Miguel Guimarães.
A Ordem recorda que a actividade médico-legal é essencial para o funcionamento do sistema judicial, já que procura dar resposta a todas as questões médicas de que a justiça precisa para resolver processos judiciais.
Os médicos especialistas em Medicina Legal actuam numa diversidade de situações, como casos de agressão, suspeitas de abuso sexual, maus-tratos, casos de violência doméstica ou até de tortura.
São estes profissionais que realizam também as autópsias médico-legais para apurar causas de morte em investigação de crimes, em acidentes, situações de causas ignoradas, suspeitas de negligência em saúde ou que actuam em cenários de múltiplas vítimas mortais resultantes de catástrofes, como foi o caso dos incêndios de 2017, por exemplo.