Francisco Guerreiro: “Os resultados do PAN não foram uma surpresa para nós”
O eurodeputado eleito pelo PAN nega que haja uma “moda” em torno do PAN, recusa a dicotomia esquerda-direita e diz que “a consciência dos cidadãos está a refundar-se”.
Aos 34 anos, Francisco Guerreiro, eleito pelo Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) no domingo para o Parlamento Europeu, está prestes a embarcar para Bruxelas. Com um resultado que foi uma das surpresas da noite eleitoral, leva para o hemiciclo europeu uma agenda de defesa do ambiente e dos direitos humanos.
Acha que a eleição do primeiro deputado do PAN ao Parlamento Europeu se deve a um fenómeno de moda?
De modo algum. Aliás, o que nós temos visto é que, ao longo destes anos, o PAN tem vindo a quebrar todas as sondagens e perspectivas e análises que têm sido feitas com resultados pragmáticos. Temos subido em todas as eleições, temos expandido os nossos ideais, temos conquistado cada vez mais espaço junto das populações, falando de problemas reais, apresentando propostas e programas bastantes fluidos e as pessoas relacionam-se com esse modo diferente de estar na sociedade. Trabalhamos junto de qualquer força política para implementar o que é o nosso programa e, no fundo, não entrar no sectarismo da esquerda e da direita e num debate político de ostracização e de crispação política. Não cremos que seja moda. Pelo contrário, o resultado reflecte o novo modo de estar na sociedade e de pensar nela, em que as pessoas estão muito cansadas do espectro da esquerda e da direita, da falta de resolução de problemas reais e da realização de propostas. Para nós, tem sido um trabalho gradual e os resultados de ontem não foram uma surpresa para nós, e apenas nos trazem mais responsabilidade e uma garantia de que teremos de trabalhar ainda mais para concretizar as soluções que apresentamos.
Não teme que isso aconteça no futuro? Que se confirme que este resultado seja um fenómeno passageiro?
Será sempre uma decisão das pessoas, mas o que podemos verificar a nível de consciência é que já está mais alargada, existe uma percepção mais profunda das necessidades reais de transitarmos de um modelo descredibilizado, de darmos prioridade ao combate às alterações climáticas e de expandirmos a nossa responsabilidade social e económica para outros sectores. As pessoas querem falar de determinados tópicos que nunca foram falados e nós abordamos temas como a melhoria de leis que protejam os animais, de direito humanos, de melhor equidade na distribuição da riqueza, de combate à xenofobia, homofobia. Nós falamos de tudo isto e interligamos com o novo panorama que achamos que está a acontecer na sociedade. É uma nova forma de estar na política e de trabalhar os problemas de pessoas. Não é uma moda. Como é óbvio, existem sempre subidas e descidas, mas achamos que a consciência dos cidadãos está a refundar-se.
Tem ideia do tipo de eleitorado que votou no PAN? Se foi um eleitorado mais jovem, de meia-idade? Do interior do país ou do litoral?
Foi homogéneo, mas vemos que há uma percentagem ligeiramente superior nos núcleos urbanos, é factual pelos dados. O que vemos é que mesmo a nível dos ambientes rurais também temos tido percentagens relativamente elevadas, o que demonstra que conseguimos apresentar propostas para os problemas dessas regiões. Mas também sabemos que foram camadas mais jovens ou de uma classe social mais estabelecida, classe média, e também do sexo feminino. Há uma sensibilidade diferente às nossas propostas nesses grupos. Mas em termos gerais foi um resulto transversal, não sentimos falta de apoio de outras camadas da sociedade. Felizmente, há cada vez mais pessoas a pensar como nós porque o nosso projecto político é para todos.
Sente que o PAN tem uma responsabilidade acrescida em relação ao eleitorado mais jovem?
Claro, nós desde 2011 que temos tido este papel de alteração de consciências e também por isso se verifica o nosso impacto nas redes sociais, porque há uma proximidade muito grande das pessoas e obviamente que os jovens fazem parte desta nova forma de estar nas sociedade. Realmente há aqui uma exigência muito maior dos próprios jovens em querer soluções reais e que não têm sido dadas pelos partidos da esquerda e da direita.
Depois deste resultado, acha que o PAN pode condicionar a agenda dos outros partidos?
O discurso político dos restantes partidos já tem vindo a ser condicionado pela própria acção do PAN. Quando hoje ouvimos dizer que outros partidos políticos defendem os direitos dos animais, por exemplo, verificamos que a nossa agenda política já condicionou os líderes políticos. A grande diferença é que nos já vimos a falar deste assunto há muitos anos, ou seja, há uma coerência que não se verifica noutros partidos, porque se mostram favoráveis a estes temas e depois não votam para a abolição das touradas. Outros exemplos disto são o transporte de animais vivos ou a exploração agro-pecuária. Existe uma diferença entre apregoar que se protege o ambiente e depois implementar medidas.
E em termos europeus?
Em termos europeus, felizmente, temos oportunidade de estar nos Verdes europeus, que é a família mais vanguardista no que toca a um novo modelo económico e social que defende os direitos humanos, relações económicas internacionais justas e equitativas, combate à corrupção, que prima por reforçar a transparência e que até está disposta a melhorar as leis de protecção do animal no espaço europeu. Há aqui uma abertura para a quarta força política europeia de avançar também numa série de medidas que reforçam o panorama verde na Europa. Vemos como positivo o facto de estarmos enquadrados num partido que decerto lutará por estas causas.
Identifica-se pessoalmente com a esquerda ou com a direita?
Nem com uma nem com outra. Se olharmos para todos os sistemas políticos no mundo, mesmo o mais à esquerda ou mais à direita, o que nós verificamos é que todos eles são muito similares no modo como extraem os recursos e como pensam a sua economia e o seu impacto, nomeadamente através do paradigma do crescimento contínuo. Pode haver algumas diferenças na distribuição da riqueza, mas o que está na génese dos partidos é o mesmo. Para já, é impensável caracterizar-me numa perspectiva de esquerda ou direita porque o que o PAN apresenta é um novo paradigma social e económico que vai para além desta dicotomia, que respeitamos, mas achamos que para o século XXI precisamos de respostas mais concretas, que não estejam presas a estes ideais.
Acredita que o PAN poderá vir a fazer parte de um Governo?
Nós não gostamos de retórica e política. Por isso, antes de mais, queremos eleger um grupo parlamentar com programa próprio e depois, mediante os resultados e a abertura de outros partidos, falaremos e negociaremos. Parece-nos que, acima de tudo, antes de fazermos conceptualizações, cabe-nos apresentarmo-nos a eleições com o nosso programa e só depois abrirmos conversações. No entanto, é de destacar que temos muitas vezes visões, principalmente no que toca ao ambiente, que chocam com a esquerda e a direita.