Leilões do solar: instabilidade regulatória preocupa investidores
Secretário de Estado João Galamba garantiu que o Governo está a criar um “enquadramento estável” para os produtores que queiram investir em novas centrais solares. Também assegurou que o executivo não faz “revisões retroactivas de contratos”.
No dia do Sol, a Associação de Energias Renováveis, a APREN, reuniu diversos representantes do sector para debater o novo ciclo de investimentos em energia solar que se avizinha com o lançamento dos leilões de potência agendados para Julho.
Em vésperas do lançamento destes procedimentos, as empresas do sector renovável queixam-se que ainda não conhecem o enquadramento legal e temem que as regras não sejam suficientemente claras para evitar situações futuras de litigância, nem dêem suficientes garantias aos investidores de que não vão mudar de um momento para o outro.
Foi já com o secretário de Estado da Energia na sala, para encerrar o debate promovido pela APREN, que os representantes de algumas empresas expressaram alguns dos seus receios quanto a estes processos em que o governante vê a forma mais rápida de garantir novas incorporações de renováveis no sistema eléctrico e de obter “ganhos imediatos” para os consumidores em termos de preços da electricidade.
O primeiro leilão de capacidade de ligação à rede será em Julho (1350 megwatts) e o segundo em Janeiro de 2020 (700 megawatts), sendo que o objectivo é que passe a haver dois leilões por ano. Os investidores vão poder escolher duas modalidades de licitação: uma para uma tarifa fixa com um tecto máximo (o valor que tem sido referido são 45 euros por megawatt hora) e outra para uma tarifa variável. Na primeira vence a tarifa mais baixa, na segunda, quem propuser uma contribuição mais alta para abater à tarifa paga pelos consumidores.
João Galamba explicou que o Governo pretende fazer uma sessão de esclarecimento sobre todo o processo no dia 6 de Junho.
Sobre aquilo que é preciso para que os leilões “corram bem”, Pedro Norton, presidente executivo da Finerge, destacou “o tema político e regulatório” e a garantia que é preciso dar aos investidores de que as regras que se estão a criar “são para valer daqui para a frente e que daqui a dois anos não estão a dizer que não queriam bem assim”.
Lembrando que representa “um grande investidor internacional”, a First State Investments, o gestor frisou que gostaria que todo o seu investimento em renováveis viesse efectivamente para Portugal, mas que “a competitividade” do país face a outros mercados dependerá do enquadramento legislativo que for criado.
O administrador da Generg Ricardo Jesus notou que instabilidade regulatória “não é um chavão” e que “o mal já está feito”, pelo que haverá consequências nos preços que saírem dos leilões. “Não devemos ser ingénuos ao pensar que as entidades que vão licitar não irão incorporar nas licitações que façam este risco”, afirmou.
Recordando o processo de mudança de accionista da Generg – que foi comprada ao fundo Novenergia pela sociedade Total Eren – Ricardo Jesus relatou que as questões que “mais foram colocadas” pelos investidores, e aquelas “a que teve mais dificuldade de responder”, foram as relacionadas com as alterações legislativas com impactos retroactivos, como o corte das tarifas das centrais mini-hídricas do Governo Passos Coelho (que a Generg está a contestar em tribunal), ou a necessidade de submissão dos projectos de sobre-equipamento ao crivo do regulador da energia e a aplicação da contribuição extraordinária sobre o sector energético aos parques eólicos, já no Governo de António Costa.
Por outro lado, sobre o impacto nos preços finais da electricidade, Ricardo Jesus notou que é compreensível que “o consumidor esteja mais preocupado com o fim do mês do que com o fim do mundo”, mas defendeu que o Governo tem de ter “uma visão mais estratégica” e que deve ter em conta, e compensar, os benefícios que advêm para os consumidores desses projectos ao nível do ambiente e da saúde pública.
Hugo Costa, director-adjunto para Portugal da EDP Renováveis, sublinhou ainda a necessidade de clareza na definição de critérios qualitativos, quer ao nível da capacidade técnica, quer financeira dos concorrentes, para evitar situações de especulação com as licenças, e a necessidade de se definirem “regras bem claras”, conhecidas por todos os concorrentes à partida, para evitar “o risco de os processos ficarem parados por anos, por impugnação de quem não conseguiu potência” nos leilões.
O gestor da EDP Renováveis também considerou “um ponto fundamental” que a nova capacidade solar vá sendo leiloada em “várias fases”, o que permitirá aos promotores adaptarem-se à evolução tecnológica, de modo a que o custo do investimento também possa ir reflectindo a redução do preço dos painéis fotovoltaicos.
A morosidade dos processos de licenciamento ou “o ping-pong de responsabilidades” de umas entidades públicas para outras foi outro aspecto destacado pelo presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva.
Licenciamento “revisto e melhorado”
O enquadramento legal dos leilões está previsto no Decreto-Lei 172/2019, que já foi aprovado em Conselho de Ministros, mas está a aguardar promulgação pelo Presidente da República. No final da sessão, João Galamba garantiu à margem do evento que o Governo espera que o “enquadramento legislativo se mantenha estável durante muitos anos, porque é uma peça fundamental para atingir os objectivos do Governo e do país” que estão previstos no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 e no roteiro para a neutralidade carbónica. Também assegurou que o Governo não faz “revisões retroactivas de contratos”.
O governante explicou que só entrarão em licenciamento centrais solares que tenham “previamente adquirido a garantia de que se podem ligar à rede” e que o Governo vai impor “prazos mais apertados” nestes processos para todas as entidades envolvidas. As empresas que quiserem construir novos projectos passam a ter três vias para conseguir as licenças: ou garantem a capacidade de ligação nos leilões, ou podem optar por zonas que não forem colocadas em leilão e onde haja capacidade de rede. Afastado definitivamente fica o modelo instituído pelo anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, do sorteio de capacidade de ligação entre potenciais investidores.
Uma terceira possibilidade para os promotores de projectos maiores, que não queiram ir a leilão, é fazerem os seus pedidos via Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), para que o operador de rede lhes dê diferentes alternativas de investimento, como a construção de uma nova linha ou o reforço de uma existente. Caberá ao promotor decidir se tem interesse em instruir o pedido e suportar esse custo.