Destruição de azulejos leva câmara a embargar obra no Chiado
Câmara de Lisboa impôs a preservação dos painéis de azulejos desenhados pelo ceramista António Vasconcelos Lapa, mas estes acabaram por ir para o lixo.
Foram destruídos 33 painéis de azulejos modernistas que decoravam a fachada de um edifício no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, em Lisboa. A câmara municipal decidiu, por isso, embargar as obras de adaptação do prédio a hotel.
A destruição dos azulejos aconteceu já em Fevereiro, mas só na semana passada é que a autarquia a confirmou ao PÚBLICO. Foram “verificadas desconformidades com as condições do licenciamento”, referiu fonte oficial da câmara lisboeta, explicando que a obra foi autorizada prevendo “a retirada dos azulejos da fachada, o seu aproveitamento e recolocação no interior do edifício e a entrega do remanescente material azulejar ao município”.
Mas tal não se verificou. Durante a remoção dos azulejos alguns ficaram danificados e os restantes foram parar ao lixo. É isso que se lê num documento da Divisão de Fiscalização da Direcção Municipal de Urbanismo, a que o PÚBLICO teve acesso. “Segundo fomos informados no local pelo responsável, a retirada dos ditos painéis apresentou-se tecnicamente difícil, tendo-se traduzido na quebra de alguns azulejos em todos os painéis, o que no final não permitiria a sua reposição”, escreveram os fiscais a 15 de Fevereiro.
“Por outro lado, os azulejos que restaram do desmonte terão sido guardados, mas por engano enviados para vazadouro com outro entulho da obra”, lê-se ainda na informação, elaborada depois de um munícipe ter presenciado a remoção dos azulejos e de ter reclamado à câmara. “Presentemente, segundo se apurou, não existem azulejos originais”, concluem os fiscais.
O PÚBLICO questionou sobre este assunto a empresa proprietária do edifício, a Coporgest, mas esta transmitiu que não queria responder.
Os 33 painéis de azulejos que decoravam o número 20 do Largo Rafael Bordalo Pinheiro foram desenhados pelo ceramista António Vasconcelos Lapa. “Eu tenho pena”, comenta agora o artista, lamentando não ter sido contactado durante a apreciação do projecto de hotel pelos serviços camarários. “As coisas não podem ser tratadas assim. Acho que o autor dos azulejos devia ter alguma coisa a dizer, mas não tem. Vou ver o que posso fazer”, diz ainda Vasconcelos Lapa.
Com vasta obra exposta nacional e internacionalmente, que inclui azulejaria, cerâmica, tapeçaria, tecelagem e desenho, o artista vê desaparecer uma das suas primeiras obras públicas, datada de 1971. Foi por essa altura que este edifício modernista foi construído para albergar a sede da companhia de seguros Império, substituindo um outro do século XIX – o que, à época, gerou contestação.
O projecto aprovado pela autarquia prevê a reconversão de dois edifícios – o do largo e um contíguo, que torneja para a Rua Nova da Trindade – num hotel e a transformação das fachadas de ambos. A remoção dos azulejos esteve prevista desde o início, mas a colocação de alguns no interior do futuro hotel e a entrega dos restantes à câmara foi o consenso a que se chegou depois de os deputados da Assembleia Municipal de Lisboa terem defendido a manutenção integral das fachadas.
Os painéis, com azulejos pintados de azul e amarelo, foram incluídos em Setembro de 2016 no livro Percursos do Azulejo em Lisboa, que teve o apoio institucional da câmara, e mereceram elogios de vários especialistas na área. Os técnicos da Estrutura Consultiva Residente do Plano Director Municipal, que se pronunciam sempre que chegam à autarquia projectos urbanísticos em edifícios ou áreas com valor patrimonial, escreveram que os azulejos tinham um “carácter excepcional pela sua singularidade e autenticidade”.
Na resposta ao PÚBLICO, a câmara informa que, além do embargo da obra, foi “aberto processo de contra-ordenação”, mas não especifica qual a consequência que daí pode advir. Segundo o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação pode estar em causa uma coima entre os três mil e os 450 mil euros.