Registo de interesses de Hortense Martins desmentido pelo registo comercial
Deputada representou empresa hoteleira de que é sócia pelo menos até 2014, mas diz que deixou a gerência em 2011. Ao registo comercial a renúncia só chegou em Março deste ano e na Assembleia da República só foi declarada em 2015.
A deputada Hortense Martins, líder do PS no distrito de Castelo Branco, declarou no Registo de Interesses da Assembleia da República que deixou de ser gerente de uma empresa hoteleira em Junho de 2011, mas, pelo menos teoricamente, manteve-se em funções até 8 de Março deste ano. Só nesse dia é que deu entrada na Conservatória do Registo Comercial um documento dactilografado, com data de 21 de Junho de 2011, em que a deputada afirma ter renunciado ao cargo “em virtude de ter deixado de prestar quaisquer serviços ou actividades na mesma”.
A declaração em causa refere-se à empresa Investel, de que a deputada é sócia com familiares, e nela consta que foi entregue por mão própria ao pai (também gerente) – o qual confirmou a sua recepção com uma anotação manuscrita. A data do documento corresponde ao dia seguinte ao início do terceiro mandato de Hortense Martins na Assembleia da República.
Logo a 20 de Julho daquele ano, Hortense Martins preencheu, assinou e entregou ao Tribunal Constitucional a declaração de rendimentos, património e cargos sociais correspondente ao início do seu novo mandato. Embora passasse apenas um mês sobre a data da alegada renúncia às suas funções hoteleiras, a deputada esqueceu-se do documento entregue ao pai e declarou-se “gerente da Investel desde 2008”.
Passados mais 15 dias, a 5 de Agosto de 2011, foi a vez de preencher e assinar o também obrigatório formulário do registo de interesses na Assembleia da República. Tal como acontecera no Tribunal Constitucional, também aí se esqueceu de que tinha acabado de renunciar à gerência da empresa. Só isso pode explicar que tenha feito constar no registo que era gerente da Investel desde 21 de Junho de 2008.
Foram necessários quatro anos – um mês depois de o jornalista Gustavo Sampaio, então na revista Sábado, a ter confrontado com o facto de exercer o mandato de deputada em exclusividade, recebendo o respectivo subsídio, ao mesmo tempo que desempenhava funções privadas, entre as quais a de gerente daquela empresa – para que Hortense Martins resolvesse alterar o seu registo de interesses. Com data de 23 de Julho de 2015, entregou no Parlamento uma alteração à sua declaração de Agosto de 2011 em que diz ter deixado a gerência da Investel em 26 de Junho de 2011.
O problema é que na declaração apresentada ao Registo Comercial em Março, com a data da alegada renúncia, está escrito que a deputada deixou de “prestar quaisquer serviços ou actividades” na empresa – o que é falso. Na realidade, Hortense Martins continuou a ter uma actividade relevante na Investel, representando-a inclusivamente junto de serviços públicos e organismos que gerem os fundos comunitários.
Isso mesmo é visível na candidatura apresentada pela empresa em Abril de 2012 ao Programa de Desenvolvimento Rural no âmbito da qual a empresa obteve um subsídio de cerca de 105 mil euros para criar um espaço de turismo rural. De acordo com o pedido de apoio apresentado pela Investel, a “promotora” e responsável técnica” pela operação é precisamente Hortense Martins, licenciada em Gestão de Empresas e pós-graduada em Gestão Técnica de Hotelaria.
A operação foi aprovada em Janeiro de 2013 e a sua execução, segundo a Adraces, entidade responsável pela respectiva aprovação, decorreu até Fevereiro de 2014, data das últimas facturas apresentadas para reembolso.
O registo da renúncia de Hortense Martins à gerência foi feito em 15 de Março deste ano, já depois de o PÚBLICO ter iniciado diligências junto de várias entidades para esclarecer as condições em que o Proder financiou a Investel. O prazo legal para o registo da renúncia à gerência de uma empresa é de 60 dias, embora a sanção aplicável em caso de incumprimento seja apenas o pagamento em dobro das taxas devidas.
Quanto ao Tribunal Constitucional, a declaração entregue no começo da actual legislatura, em Dezembro de 2015, nada diz sobre a Investel. A omissão até seria normal devido ao facto de, alegadamente, a deputada ter renunciado à gerência quatro anos antes, mas deixa de o ser tendo em conta que até Março deste ano o registo comercial e o Portal da Justiça continuavam a dá-la como gerente. Em todo o caso, devido a outros problemas, o procurador-geral adjunto do Tribunal Constitucional dirigiu a Hortense Martins um “convite para aperfeiçoar” aquela declaração.
Em resposta, em Junho de 2016, a deputada procede ao “aperfeiçoamento” solicitado na identificação de um imóvel e esclarece o procurador que a declaração do ano anterior “no tocante à descrição dos restantes elementos do activo patrimonial, do passivo e dos cargos sociais exercidos se encontra completa”. Ou seja: indirectamente, confirma que não tem qualquer cargo na Investel, quando bastava ir ao Portal da Justiça para ver que ainda lá estava como gerente.
Questionada pelo PÚBLICO, Hortense Martins limita-se a responder que renunciou à gerência em 21/6/2011 e que “se tal renúncia não foi desde logo objecto de registo, é assunto que cabe à empresa e não à signatária”. À pergunta sobre se é ou não verdade que foi, de facto, sempre a gerente da Investel, pelo menos desde 2008”, a deputada nada respondeu.
Ao longo dos seus quatro mandatos na Assembleia da República, Hortense Martins, nascida em 1966, teve sempre um papel de relevo na discussão e preparação de decisões relacionadas com a hotelaria e o turismo, sendo actualmente membro da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas e coordenadora do PS no grupo de trabalho do turismo.