Por que é que os idosos são mais vulneráveis à fraude?
Prémio ISPA 2019 distingue trabalho sobre o efeito da idade na percepção da intencionalidade de alguns actos, nomeadamente de fraude.
Rita Pasion procurou responder a esta questão: por que são os idosos tão vulneráveis a fraudes? Para isso, a investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) estudou os julgamentos morais de 90 pessoas dos 18 aos 75 anos. Percebeu então que os participantes mais velhos tinham mais dificuldade em distinguir as situações intencionais das acidentais. Este estudo sugere assim uma possível explicação para a vulnerabilidade dos idosos à fraude.
Com este trabalho, Rita Pasion venceu o Prémio ISPA de Investigação em Psicologia e Ciências do Comportamento 2019 no valor de 2500 euros. A cerimónia de entrega dos prémios é esta quinta-feira às 18h30 no ISPA-Instituto Universitário, em Lisboa.
A investigadora de 27 anos começa por explicar ao PÚBLICO que este trabalho se insere num projecto financiado pela Fundação Bial, intitulado o envelhecimento do cérebro social, realizado na sua instituição. Como a população portuguesa tem um envelhecimento cada vez mais acelerado, queria perceber-se como a neurociência podia contribuir para o bem-estar dessa população.
“Queríamos compreender a cognição social, que é o processo que modula o nosso comportamento em contexto social, e de que forma podíamos observar certos padrões em populações mais idosas”, conta Rita Pasion. Um dos processos da cognição social estudados foi então o julgamento moral.
Para avaliar de que forma as pessoas percepcionam a intenção de certos actos, escolheram-se vários cenários com acções intencionais e acidentais. Por exemplo, havia uma imagem de um homem a bater com um bastão noutro homem (intencional) e outra onde um carro em marcha-atrás atropela uma pessoa porque não a viu (acidental).
Desta forma, um grupo de pessoas mais jovens (entre 18 e 35 anos), outro de meia idade (dos 40 aos 55 anos) e ainda um de participantes mais velhos (dos 60 aos 75 anos) classificaram esses cenários como intencionais ou acidentais. Num painel, cada imagem passava durante um segundo.
“Verificámos que o grupo mais velho é menos eficaz a fazer a distinção entre um cenário intencional e um acidental. Não conseguia distinguir bem os cenários”, diz Rita Pasion. Estes resultados sugerem então que este grupo tem dificuldade em avaliar a intencionalidade de uma acção.
Enquanto estavam a classificar os cenários, os 90 participantes também fizeram uma electroencefalografia. “Pusemos uma toca com eléctrodos na cabeça da pessoa, que consegue medir a actividade eléctrica dos neurónios”, esclarece a investigadora, actualmente estudante de doutoramento na FPCEUP.
Para saber como os participantes classificavam os cenários a nível cerebral e explicar os dados comportamentais, Rita Pasion usou um método chamado “potenciais evocados relacionados com eventos”, que consegue medir os picos da actividade neuronal (uma espécie de disparos eléctricos da actividade do cérebro após o estímulo). Os picos analisados designam-se por P2 (um pico positivo), o N2 (um pico negativo) e o LPP (um pico positivo subsequente).
Vejamos então o resultado da medição desses picos. Observou -se que a amplitude do P2 (que ocorre 200 milissegundos após o estímulo) era mais elevada no grupo dos participantes mais velhos. “Como o P2 tem uma correlação com a atenção ao que estamos a ver, poderíamos pensar que facilitaria a classificação dos cenários. Vimos que não foi o caso, porque este grupo tinha dificuldade em fazer a diferenciação entre os cenários nos dados comportamentais”, refere a cientista.
Se o P2 é um pico mais automático – o primeiro a aparecer–, o N2 (200 milissegundos após o estímulo) e o LPP (400 milissegundos após o estímulo) são mais tardios, complexos e associados à empatia e à capacidade de descodificar a intenção de um acto. “Eram mais interessantes para nós porque tínhamos dicas na literatura [científica] de que seriam picos mais importantes para a cognição social”, frisa Rita Pasion. Verificou-se então que esses picos eram mais baixos no grupo de participantes mais velhos só nos cenários intencionais, o que explica a dificuldade em distinguir esses cenários dos acidentais.
Juntando todas as peças, num comunicado sobre o Prémio ISPA, explica-se que o aumento do P2 no grupo de idosos parece ser um mecanismo da atenção do cérebro para compensar o declínio na cognição social que existe com o envelhecimento. Já o défice nos dois picos mais complexos torna este grupo mais vulnerável a situações em que seja difícil perceber a intenção de uma pessoa, como acontece nas fraudes.
“Apesar de não termos feito uma avaliação directa das fraudes, estudámos a literatura científica e vimos os níveis de fraude em idosos. Este trabalho pode dar-nos uma pista do que os torna tão vulneráveis à fraude”, considera Rita Pasion.
Rostos e ínsula anterior
Há outros trabalhos sobre a vulnerabilidade dos idosos à fraude. Por exemplo, dois artigos científicos publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) em 2012 revelaram que o cérebro dos adultos mais velhos não percebe tão bem os sinais suspeitos de desonestidade como o dos mais novos. Enquanto num dos artigos se relatava que os mais novos reagiam mais fortemente a rostos que denotam falsidade, no outro trabalho salientava-se que a ínsula anterior (região cerebral) se activava com menos intensidade nas pessoas mais velhas.
“Esses estudos foram mais anatómicos sobre áreas cerebrais e indicavam onde acontece o processo. Aqui trabalhámos mais a funcionalidade do cérebro e quando ocorre o processo [em diferentes momentos temporais após o estímulo]”, diz a investigadora, salientando que o seu trabalho é o único até agora sobre o julgamento moral no envelhecimento e a usar a electroencefalografia.
“Estamos ainda num nível exploratório e de neurociência básica, mas diria que é um contributo muito importante para entender como a população idosa é vulnerável a situações de fraude”, sublinha Rita Pasion. Publicado num artigo científico na revista Social Neuroscience, o trabalho já atraiu o interesse de outros grupos de investigação estrangeiros, indica ainda a investigadora.
Neste momento, Rita Pasion já tem novos trabalhos pensados. A sua instituição submeteu um projecto à Fundação Bial focado na decisão económica. “Os dados que encontrámos a nível do julgamento moral foram bastante claros e permitiram que avançássemos para o nível da decisão económica.”