A campanha deles é pelo teu voto: “Não podemos deixar essa decisão nas mãos dos outros”
Jovens que se unem em várias plataformas têm organizado eventos e incentivado as pessoas à sua volta a votarem nas próximas eleições europeias, a 26 de Maio. Em 2014, apenas um em cada cinco jovens até aos 24 anos votou. A menos de duas semanas das eleições, falamos sobre o que andaram a fazer.
“Vai ser fácil encher uma sala”, pensou Pedro Ferreirinha quando foi desafiado a organizar um evento no âmbito da campanha europeia Desta vez eu voto. Esta plataforma, criada pelo Parlamento Europeu (PE), tem recrutado voluntários nos últimos meses para organizarem eventos em diferentes cidades ou simplesmente divulgarem, nas suas redes sociais, informação sobre a União Europeia (UE). E foi fácil? “Não”, desabafa, a rir, o jurista de 22 anos. Talvez por ter apostado num território diferente daquele onde passa a maior parte do tempo. Pedro Ferreirinha trabalha e estuda no Porto, mas decidiu organizar uma sessão em Mirandela, sua cidade de origem, promovendo o debate no interior do país: “Decidi não ser parte do problema, mas contribuir para a solução.” Passou a palavra, chegou a ponderar um auditório grande, acabou por apostar num menor. Apareceram cerca de 30 pessoas. Não necessariamente o que estava à espera, mas considerou o evento um sucesso. “Quem foi, aprendeu”, diz, salientando ainda a cobertura televisiva que permitiu fazer chegar a mensagem a ainda mais pessoas. Quando falou ao P3, rematava os últimos preparativos para um evento em Macedo de Cavaleiros.
A União Europeia tem-se esforçado para convencer os cidadãos da importância destas eleições, que se realizam entre 23 e 26 de Maio por todos os Estados-membros (para as pessoas que votam em Portugal, estão agendadas para 26 de Maio, domingo). Segundo dados do gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa, houve um investimento de 36 milhões de euros em campanhas institucionais para os 28 Estados-membros — uma média de oito cêntimos por eleitor. O apelo torna-se quase uma urgência, face à ascensão de forças eurocépticas, nacionalistas ou soberanistas, ou mesmo as que defendem valores contrários aos que nortearam a fundação da União Europeia, em particular no que toca aos direitos humanos.
A abstenção é um problema crónico das europeias. Em 2014, a abstenção em Portugal foi de 66,2%: dos cerca de 9,7 milhões de eleitores, apenas um terço foi às urnas. Nesse ano, apenas 28% dos eleitores europeus entre os 18 e os 24 anos votaram. Em Portugal, a média foi ainda mais baixa: 19%. No Eurobarómetro divulgado em Abril de 2019 pelo PE, apenas 3% dos jovens já tinham decidido ir às urnas a 26 de Maio.
É neste caldo que surgem diversas campanhas de apelo ao voto, em particular dirigidas à juventude. A campanha Desta vez eu voto tem pontos focais que organizam eventos por Portugal, mas também por toda a Europa. Julia Fernández, de 19 anos, estuda Direito e Política na Universidade Autónoma de Madrid e é uma das voluntárias do Desta vez eu voto na sua cidade. Encontrámo-la em Bruxelas, em Março último, num evento sobre a participação das mulheres na política. Uma das estratégias escolhidas pelo grupo de Julia foi pensar em locais além das universidades — “porque sabíamos que era um espaço elitista” — e ir para os lugares onde estão pessoas com um perfil mais diverso. “A nossa ideia foi organizar coisas nas ruas, nos centros públicos, onde todas as pessoas possam ir.” Têm sido sensíveis aos horários, por exemplo: “Não temos organizado eventos durante o dia porque sabemos que as pessoas trabalham e a essas horas não conseguem estar presentes.”
Conseguiu convencer apenas 14 pessoas a aderir à plataforma Desta vez eu voto, onde os inscritos escolhem as áreas em que estão mais interessados e podem receber informação sobre políticas ou eventos nessa temática. Mas não tem sido esse o seu foco. “Para mim, foi mais importante organizar eventos e envolver-me na parte logística. Para outras pessoas, é trazer outras pessoas [para a plataforma]. E é tudo importante.” Mas os eventos são apenas um complemento de uma campanha com uma forte componente de redes sociais, onde é mais fácil difundir a mensagem. “Desde o início, demo-nos conta de que uma campanha que se centrasse só em actividades presenciais, como workshops ou eventos, conferências, não seria suficiente. Para atrair a juventude também tínhamos que estar em plataformas online.”
Emprego, clima e direitos humanos
E que temas têm atraído a atenção dos mais jovens que aparecem nos eventos? “As alterações climáticas, sem dúvida. Toda a gente está a falar sobre as alterações climáticas, é incrível.” Fala-se também sobre migrações, “um tema quente” em Espanha, mas também de igualdade de género e desemprego, “temas que afectam directamente a juventude”.
O último Eurobarómetro confirma algumas destas percepções: o combate ao desemprego jovem está no topo das preocupações da fatia do eleitorado dos 18 aos 39 anos, assim como a economia e crescimento e a protecção social dos cidadãos europeus. Depois das preocupações económicas, seguem-se outras prioridades: o combate às alterações climáticas, para pessoas entre os 15 e os 24 anos, e a promoção dos direitos humanos e democracia, entre eleitores de 25 a 39 anos.
Alguns estudos realizados em Portugal sugerem que o problema dos jovens não é necessariamente com a política — entendida como o campo das decisões relativas à vida em conjunto, em sociedade —, mas sim com as formas tradicionais de participação. Veja-se o envolvimento dos estudantes portugueses na Greve Climática Estudantil, a 15 de Março último. E para 24 de Maio, vésperas das eleições, está agendado novo protesto, mesmo a tempo de provar a políticos e cidadãos que o tema importa a nível europeu.
Para mostrar aos cidadãos onde há um “dedo” das instituições europeias nos assuntos que os preocupam, foi criada a plataforma O que a Europa faz por mim — uma ferramenta que tem sido útil tanto para Julia Fernández como para Pedro Ferreirinha. É possível pesquisar sob diferentes perspectivas, das geografias às identidades, passando por perfis de consumo e emprego ou preocupações com áreas como a saúde, a segurança, o ambiente.
Aqui, Pedro encontrou exemplos concretos para apresentar na sessão em Mirandela, como a operação “Castelos a Norte”, financiada em cerca de 85% pelo Fundo de Desenvolvimento Regional Europeu, e que prevê restaurar cinco castelos na região. Cruzou-se, também, com exemplos de “pequenas coisas” em que a Europa conta, como a legislação sobre segurança alimentar que afecta a forma como importamos e consumimos produtos como... chocolate.
Futuro em jogo
O que motiva estes jovens a dedicar tempo a uma causa que, para tantos da sua geração, é perdida? Pedro Ferreirinha conta que começou a interessar-se mais por assuntos europeus durante a licenciatura, nas aulas sobre Direito da UE. É director do Jornal Universitário do Porto (JUP). No Verão de 2018 participou num summer camp organizado pela Comissão Europeia, em Marvão, onde ouviu falar pela primeira vez da campanha Desta vez eu voto.
Foi no mesmo summer camp que Jorge Félix Cardoso, de 23 anos, percebeu como “as próprias instituições europeias estavam receosas” com as europeias. Já então acumulava os estudos com a participação em fóruns de estudantes de Medicina e a colaboração com o site Shifter (onde insistira em criar uma secção sobre assuntos europeus e hoje escreve a newsletter Qu’Ouves de Bruxelas), o JUP e mesmo algumas crónicas no P3. No início do ano, decidiu suspender os estudos em Medicina, na Universidade do Porto, e Filosofia, na Universidade do Minho, para se tornar editor de conteúdos do portal ID-Europa, projecto do Conselho Nacional da Juventude apoiado pelo Parlamento Europeu.
O ID-Europa tenta mostrar mais claramente de que forma as decisões europeias afectam o quotidiano dos jovens. Reúne uma equipa de seis embaixadores que têm desfeito nós à volta de diferentes temas — ambiente, direitos humanos, direitos sociais, futuro da UE, migrações e inclusão, tecnologia e ciência —, sob a batuta do editor que tem por sua conta o noticiário quotidiano da campanha. Pelo meio, promove debates nas universidades (cerca de uma dezena até agora), procurando espaços mais informais, como associações de estudantes. “Não tem sido fácil, o desinteresse é muito grande”, desabafa Jorge Félix Cardoso. Acredita que não é um desinteresse exclusivo dos jovens, mas da sociedade em geral. Jorge fala numa “maioria silenciosa” que não é eurocéptica — pelo contrário, é a favor da participação de Portugal na UE e reconhece as vantagens —, mas não sente que tem que participar. “É quase como se fosse apolítica”, lamenta Jorge.
Para quê votar?
Alguns dias após a primeira conversa, voltámos a falar com Pedro Ferreirinha para saber como correu o encontro do Desta vez eu voto em Macedo de Cavaleiros. Cerca de 20 pessoas estiveram presentes, balanço “muito positivo”. Pedro conta que uma senhora de 88 anos pediu a palavra para lamentar que não se falasse mais sobre a Europa e não houvesse mais iniciativas como aquela. E disse ainda que na aldeia de Grijó, onde vive, “era ela que estava a fazer a campanha e o apelo ao voto, pessoalmente e porta a porta”.
Para Pedro, “chega a ser paradoxal” que a “geração Erasmus” seja também a que menos se interessa pelas eleições europeias. O jurista sugere algumas causas que podem estar por detrás do distanciamento da participação cívica a nível comunitário: a natureza das eleições europeias, referentes a uma instituição que vêem como desligada da realidade quotidiana (“Vêem Bruxelas como algo lá longe”); algum desconhecimento sobre o papel das próprias instituições (“às vezes pergunto ‘O que te interessa na Europa?’, uma pequenina ideia basta!”); e também algum “alheamento”, uma certa ideia de que “não é preciso mesmo votar”.
Um dos argumentos a que recorre para convencer os pares a votar é o “Brexit”, relembrando que os eleitores cujos votos determinaram o resultado foram os de faixas etárias mais velhas, aqueles cujas vidas não serão alteradas pela saída do Reino Unido da União Europeia. “Não podemos deixar essa decisão nas mãos dos outros.”
“Desencanto” com os políticos
Uma eleição sem a palavra dos jovens é um risco que Maria Sá Carvalho, de 28 anos, não quer correr. Faz parte da Vote Together, uma plataforma pan-europeia que reúne artistas e profissionais das indústrias criativas para despertar “consciência cívica e democrática”.
Parte do grupo que compõe o Vote Together conheceu-se em Amesterdão, num programa artístico sobre cultura europeia. Com o apoio da Between Bridges, uma organização sem fins lucrativos fundada pelo fotógrafo Wolfgang Tillmans. Um grupo de fotógrafos, realizadores, produtores, publicitários (como é o caso de Maria) e outros criativos emprestaram o seu talento e alguns recursos para a criação desta campanha de incentivo ao voto.
“Há uma espécie de desencanto da nossa geração com os políticos”, ainda difícil de desmontar, explica. Mas é preciso que estes tragam “ideias claras e sobre as quais possam prestar contas”. “Somos uma geração que procura compromisso por parte dos nossos dirigentes, propostas concretas, ética, resultados visíveis. E não encontramos.”
Julia Fernández, do Desta vez eu voto, nota também um certo fosso geracional. “Em Espanha estamos a receber uma educação muito igualitária, a desenvolver uma sensibilidade muito grande para os temas de direitos humanos, igualdade, sustentabilidade”, explica. Para a estudante, os millennials poderão fazer a diferença, em particular no momento em que estiverem em causa privilégios concretos conquistados com a integração europeia. “Há limites que a sociedade estabeleceu e nós, jovens, já incorporamos no nosso mindset, não vamos deixar que mudem de nenhuma maneira.”
O que a Europa fez por Julia? “Muitíssimo!” Desde o nível educativo até a questões de igualdade de género, passando pelo “acesso aos mesmos direitos e oportunidades” para todas as pessoas, a segurança e unidade a nível comunitário e, acima de tudo, a estabilidade, que permitiu “uma vida mais fácil e mais feliz para todos”. “É inegável que [a entrada na UE] tenha tido um efeito muito positivo. Especialmente nós, jovens que já nascemos na UE, não podemos cometer o erro de nos esquecermos disso.”
Para Maria Sá Carvalho, a chave é falar mais sobre a relação dessa Europa com o quotidiano. A começar por desconstruir os discursos dos políticos a nível nacional, que colocam a UE como um bode expiatório em determinadas questões — o There is no alternative das contenções orçamentais, por exemplo —, mas que chamam a si os louros de “ganhos conseguidos com financiamento europeu”, como fundos para obras públicas ou projectos de desenvolvimento local. Em tempos de fake news, a informação que divulgam é “fortemente verificada, factual”, recorrendo a fontes diversas — mas confiáveis.