Do Facebook à China: as novas ditaduras
A crescente concentração monopolística do Facebook tem-lhe permitido escapar a qualquer controlo do mercado sobre o seu astronómico poder financeiro ou à regulação dos seus conteúdos tóxicos.
A crónica anedótica nacional ameaça eternizar-se, de Rui Rio a Joe Berardo. O primeiro demonstrando até onde pode chegar a pequenez, o amadorismo e a raiva de mau perdedor de um aspirante a primeiro-ministro (enquanto Assunção Cristas insiste em cultivar um género teatral revisteiro: a peixeirada). Já o segundo revelou-se porventura o representante mais histriónico do capitalismo português: a sua dislexia serve-lhe às mil maravilhas para fazer a caricatura de um sistema que ri à custa dos outros ao mesmo tempo que se ri de si mesmo (mas não será, por portas travessas, o que também acontece com Rio?).
Ora, enquanto nos deixamos transportar nesta irresistível efervescência provinciana talvez fosse oportuno não descurar o que se passa no mundo à nossa volta. Nomeadamente quando estão em foco sinais inquietantes e complementares dos perigos que ameaçam os chamados “valores universais” da liberdade, democracia e direitos humanos – bens cada vez mais preciosos porque cada vez mais frágeis. Essas ameaças chamam-se, entre outras, Facebook e China.
Apesar das tentativas europeias, em particular francesas, para enfrentar o problema, a crescente concentração monopolística do Facebook tem-lhe permitido escapar a qualquer controlo do mercado sobre o seu astronómico poder financeiro ou à regulação dos seus conteúdos tóxicos. São, muitas vezes, veículos de ódio, manipulação e incentivo aos instintos mais baixos das massas anónimas, estimulando um ambiente de intolerância religiosa, xenofobia e até terrorismo (como vimos recentemente nos terríveis massacres de muçulmanos na Nova Zelândia ou de cristãos no Sri Lanka).
Num artigo recente no The New York Times, um antigo dirigente e fundador do Facebook, Chris Hughes, chega a propor o seu desmantelamento: Mark Zuckerberg, o todo-poderoso patrão da rede, “criou um Leviatã que é prejudicial à livre iniciativa e limita a liberdade de escolha do consumidor”. Só Zuckerberg “pode decidir como configurar o algoritmo que escolhe o que os utilizadores vêem e os parâmetros da vida privada”. Solução? Cindir o grupo – Facebook, Instagram e WhatsApp – para constituir três empresas distintas, defende Hughes. Só que a impotência dos poderes públicos para fazer vergar Zuckerberg, incansável nas manobras de diversão, não parece ter fim à vista.
Entretanto, a outra ameaça provém de um país cujo poder se vem afirmando vertiginosamente nas últimas décadas e cujo novo meio de expansão imperial – através da Ásia, África e, por fim, Europa, sem esquecer Portugal – tem, na nossa língua, a tradução aparentemente inofensiva de Nova(s) Rota(s) da Seda. À sombra dessa estratégia, a China vem tentando desenvolver um controlo férreo e a submissão dos meios de comunicação social, não apenas chineses como dos países atingidos por essas Rotas, a uma única verdade oficial (ou seja, a ditadura do partido único).
Com esse objectivo, está em construção uma rede de quarenta meios de comunicação influentes em vinte e cinco países para domesticar as respectivas opiniões públicas de acordo com os interesses e a doutrina de Pequim, o que já suscitou a inquietação dos Repórteres sem Fronteiras. Isto sem falar da iniciativa de formação de 3400 repórteres vindos de 146 países e que serão catequizados segundo a nova ordem mundial dos media definida pelo Partido Comunista Chinês.
Estarão portugueses entre esses candidatos? A questão é pertinente, considerando que a recente visita do Presidente Marcelo à China parece ter sido monopolizada pelo deslumbramento da cooperação económica luso-chinesa, desvalorizando ou omitindo a outra face – sombria e inconfessável – da moeda: a servidão política. Mas só por nefasta ingenuidade poderemos ignorar as segundas intenções da expansão chinesa na Europa – e em Portugal.