Comunidade islâmica quer rezar em novas mesquitas
Em Sintra, espera-se que no início do próximo ano esteja pronto um grande centro islâmico. No Porto restaurou-se, há uns meses, a velha mesquita improvisada, mas ainda se aguarda a construção de uma de raiz. Será que se estão a criar melhores condições para o culto?
Era “uma necessidade”. Na Tapada das Mercês até há pouco mais de uma década “não havia nada” nem ninguém para ajudar os miúdos que regressavam da escola com os trabalhos de casa para fazer. Os pais, oriundos da Guiné Conacri, de Moçambique, do Senegal, que tinham imigrado para Portugal à procura de uma vida melhor, não os conseguiam ajudar. Foram eles que ajudaram a construir esta parte do concelho de Sintra — longe do bilhete-postal que é a vila de Sintra — que de aldeia passou a selva de betão.
Estávamos em 2007 quando um grupo de “pessoas de vários países e culturas” se juntou para criar, não só um espaço de oração, mas um espaço onde se pudessem partilhar experiências, melhorar a integração dos imigrantes e, ao mesmo tempo, se promovesse o conhecimento e valorização das culturas dos seus países, e da religião islâmica.
Em Agosto desse ano seria erguido o primeiro pilar da Comunidade Islâmica da Tapada das Mercês e Mem-Martins: uma mesquita que, ainda que fosse improvisada, se tornou espaço de culto para aquela comunidade. Até aos dias de hoje, a mesquita funciona numa garagem, onde os crentes fazem o seu culto. Se tudo correr como o previsto, a comunidade islâmica da Tapada das Mercês terá, no início do próximo ano, um local de oração mais digno, assim como um grande centro de apoio à comunidade local, que está a ser construído num terreno cedido pela autarquia.
Mais a norte, no Porto, também se deram mais alguns passos para melhorar as condições da comunidade islâmica local. Quando, em 1985, Abdellah Mouazza se mudou de Marrocos com a mulher portuguesa, poucos muçulmanos havia na cidade. Acabou por abrir um ginásio na Rua do Heroísmo, na zona oriental da cidade, e assim se criou a mesquita. O Centro Cultural Islâmico do Porto havia de ser criado em 1999, e desde então, os fiéis esperam pela construção de uma mesquita de raiz. Enquanto isso não acontece, a pequena mesquita improvisada, que se estende para lá de uma montra de loja comum da Rua do Heroísmo, foi remodelada e reaberta em Novembro. Serão exemplos suficientes para se dizer que se estão a criar melhores condições para o culto?
“Há cidades cujos presidentes de câmara têm mais abertura à construção de espaços de raiz para a oração do que outras”, diz ao PÚBLICO, Mahmoud Soares, membro da comunidade islâmica do Porto e estudioso do islão. Nos concelhos à volta de Lisboa, exemplifica o também professor de Filosofia, há mesquitas criadas de raiz, como a que será erguida em Sintra. E como a que está projectada para a Rua do Benformoso, no bairro lisboeta da Mouraria, cujo processo tem sido polémico por ter envolvido a expropriação de prédios e disputas nos tribunais.
Apesar de o novo centro islâmico de Sintra estar a andar, a primeira pedra da empreitada foi lançada em Outubro de 2012, ainda pelo antigo presidente, Fernando Seara, depois de a autarquia ter cedido à associação um terreno com mais de sete mil metros quadrados. Porém, o arranque das obras apenas aconteceu no ano passado.
O novo centro deverá servir não só os nove mil muçulmanos que, segundo as contas da associação, vivem na Linha de Sintra, mas todos os residentes da Tapada das Mercês, “independentemente da religião ou etnia”. “Esta é uma necessidade da comunidade. Apoiamos muitos jovens que não são muçulmanos”, diz ao PÚBLICO Mamadou Bah, dirigente da associação, que chegou a Portugal há 31 anos, vindo da Guiné-Conacri, à procura de trabalho e de uma vida melhor.
Este novo equipamento vai incluir um centro de dia, uma creche, uma clínica, um refeitório, entre outras valências, além da mesquita, que terá “a porta orientada segundo o eixo de Meca”; haverá “um espaço de oração para homens e outro para mulheres”, segundo explicou, na altura do lançamento da obra, o arquitecto Júlio Londrim, autor do projecto.
Será também construída uma biblioteca, que reunirá informação sobre o islão, e que estará disponível a quem a quiser consultar. Para pôr todas estas valências de pé, são precisos cerca de 1,5 milhões de euros. A associação está permanentemente a recolher donativos para angariar este montante.
Uma comunidade de 50 mil pessoas
Os primeiros muçulmanos chegaram a Portugal logo depois do 25 de Abril, vindos das antigas colónias Moçambique e Guiné. A maioria ficava por Lisboa, onde os aviões aterravam. Só mais tarde, já na década de 90, começaram a chegar pessoas do Senegal, de Marrocos, da Argélia e também do Paquistão, explica Mahmoud Soares. Com a dissolução da União Soviética, também nos anos 90, chegaram pessoas de países muçulmanos como o Cazaquistão ou o Turquemenistão.
Nos últimos anos, chegaram sírios e alguns egípcios para estudar. Além disso, da comunidade fazem também parte portugueses que se converteram. É o caso de Mahmoud, português nascido numa família cristã (hoje casado com uma mulher católica), que acabou por se converter ao islão, após ter estudado profundamente esta religião.
Segundo diz Mahmoud Soares, existem cerca de cerca de 50 locais de culto pelo país, muitos deles, “pequeníssimos”, adaptados, como lojas de centros comerciais ou garagens, que servem uma comunidade que deverá rondar as 50 mil pessoas. No Grande Porto serão cerca de cinco mil fiéis ao Corão.
A primeira mesquita a ser construída foi a de Lisboa. A sua construção começou em 1979, sendo inaugurada em 1985. Para iniciar a sua construção, a Comunidade Islâmica de Lisboa contou com doações de membros da comunidade e de países muçulmanos – a Arábia Saudita doou um milhão de dólares. Só muito mais tarde, a partir dos anos 2000, começariam a chegar bolsas e contribuições públicas.
A recuperação da mesquita do Porto só aconteceu pelos contributos da comunidade. “Tudo o que é feito por nós é pago com donativos da comunidade. Não recebemos nem ajudas do Estado nem do município”, nota Mahmoud.
Em Portugal, sublinha o professor de Filosofia, as comunidades estão “muito bem integradas” porque, afinal, as primeiras a formarem-se eram constituídas por cidadãos portugueses. “Isso ajudou muito na integração inicial dos muçulmanos”, repara.
No Porto, a mesquita está aberta a toda a gente. “Recebemos cerca de três mil alunos todos os anos de várias escolas da zona norte”, diz Mahmoud. E, quanto à comunidade, fazem “questão” de ir às universidades, aos grupos de escoteiros, promover o diálogo inter-religioso, tentando desfazer a “imagem negativa” criada por acontecimentos nos quais, assegura, a comunidade não se revê. “Nós mesmos, enquanto comunidade temos um grande cuidado e vigilância com indivíduos que tenham uma atitude mais radical. Queremos passar a mensagem do islão, que é o islão da tolerância, de diálogo.”