Anita no leilão: desenhos estreiam-se no mercado e rendem meio milhão de euros
Pela primeira vez, foram à praça as ilustrações de Marcel Marlier para os livros da personagem que em Portugal voltou ao nome original “Martine”. No meio de originais de Hergé, Disney ou Bilal, foram as estrelas do leilão parisiense
O leilão incluía originais de Hergé, Walt Disney, Morris, Bilal, Milo Manara, Hugo Pratt ou Franquin, mas a estrela da venda foi mesmo Marcel Marlier – o autor de Anita, ou melhor Martine, a jovem heroína dos livros infantis e cujas ilustrações originais foram arrematadas por mais de meio milhão de euros. Foi a primeira vez que os desenhos de Marlier foram à praça e venderam-se por valores cinco vezes superiores às expectativas. “Isto fixa, de uma penada, a cotação de Martine no mercado da arte”, como disse Eric Leroy, especialista em BD da leiloeira Artcurial, à agência de notícias AFP.
A venda, que decorreu sábado em Paris na sede da Artcurial, tinha então vários lotes de alguns dos mais reputados e populares ilustradores norte-americanos e europeus e suas personagens. Uma litografia assinada por Hergé do álbum de Tintin O Lótus Azul ou outra, de Explorando a Lua, assinada por astronautas, várias pranchas e até o desenho para uma capa de uma nova edição de Fins de siècle de Enki Bilal, uma aguarela de Blake e Mortimer por André Juillard ou o cartaz de Morris para o filme realizado pelo ilustrador em torno da sua personagem Lucky Luke em 1983 estavam entre os 180 lotes que foram à praça.
Desse total, 27 eram desenhos do belga Marcel Marlier, um nome muito menos conhecido do grande público mas igualmente popular em termos de vendas. Foram todos vendidos e por um total de 559 mil euros, segundo a leiloeira, sobretudo para coleccionadores particulares – dois terços deles de fora de França. Cada lote foi muito disputado, diz a Artcurial em comunicado, e apesar de terem sido Bilal ou Hergé a dominar as vendas em termos de valores (Hergé conseguiu um dos valores mais altos em leilão, com uma das suas pranchas de Tintin a ser vendida por 130 mil euros, Enki Bilal viu uma prancha de A Mulher Armadilha ser arrematada por 149.500 euros), foi a estreia de Martine no mundo dos leilões que marcou a tarde de sábado.
“Esta tarde, os coleccionadores sublinharam a importância do trabalho de Marcel Marlier e da sua icónica personagem Martine”, diz Eric Leroy num comunicado da leiloeira. O autor junta-se assim, considera, “às figuras excepcionais da nona arte, do mestre histórico Hergé ao contemporâneo Enki Bilal”.
Os livros de Martine, que até 2015 em Portugal era publicada sob o nome de Anita, são escritos por Gilbert Delahaye e já venderam mais de cem milhões de exemplares em todo o mundo. Mostram a sua personagem central em vários cenários à medida que explora o mundo: no campo, na escola, no circo, no ballet, na quinta, a interagir com amigos e animais; mas também já foram criticados por mostrarem a menina em situações tipificadas de género.
Editada na sua França Natal pela Casterman, estreou-se nos livros em 1954 e chegou a Portugal na década de 1960 pela mão do editor Fernando Guedes, da Verbo. Foi precisamente o desenho clássico das capas que o chamou. “Gostava daquelas ilustrações do Marlier, convencionais, muito realistas. Numa altura em que toda a gente achava que os miúdos gostavam era de imagens esquisitas, achei que os miúdos queriam, na verdade, um boneco que fosse tão real quanto possível”, explica no livro Fernando Guedes: O Decano dos Editores Portugueses (ed. Booktailors).
A ilustração que atingiu o preço mais elevado foi Martine, petit rat de l’opéra, ou a versão original de parte da imagem que actualmente está na capa de Martine é Bailarina. Foi vendida por 48.100 euros, mais de 12 vezes mais do que o preço estimado inicialmente. O guache é inspirado nas aulas e técnica de formação de Maurice Béjart, e foi levado a cabo depois de Marlier assistir a algumas das suas aulas. Martine vai acampar também atingiu valores superiores ao esperado, com 33.800 mil euros de preço final quando a base de licitação era de 4000/6000 euros.
Martine, ou Anita para as gerações que receberam a personagem nas primeiras décadas da sua vida em Portugal, é a súmula da vida dos filhos de Marcel Marlier, diz o especialista Eric Leroy. “É o olhar de um artista sobre a sua família”, disse à France TV. E agora, “é a primeira vez que a família decidiu separar-se de obras originais”, completava ao diário francês Le Parisien. As bases de licitação eram baixas, na opinião da família, mas coube ao mercado encontrar qual o segmento de Marlier. As receitas da venda, e a motivação para que as ilustrações fossem a leilão, reverterão para a finalização da construção da Casa Marcel Marlier em Tournai, na Bélgica, um lar de idosos de conceito ecológico. Entretanto, está também na forja um filme sobre Martine, realizado por Philippe Muyl (Papillon).
Marcel Marlier morreu em 2011. Os livros que ilustrou foram traduzidos em 35 línguas. O nome de Martine (Anita, em Portugal) adapta-se aos vários países de acolhimento – é Debbie nos EUA, Zana na Albânia, Martita em Espanha, Cristina em Itália, Mimmi na Suécia ou Tiny na Bélgica flamenga.