É mais fácil para um romeno viver em Portugal, mas no mercado de trabalho ainda há diferenças

De entre os países que entraram na União Europeia já no século XXI, a Roménia é a que tem a maior comunidade de imigrantes em Portugal: mais de 30 mil. E se com a entrada do país no clube europeu, em 2007, tudo ficou mais fácil, ainda é diferente para quem vem de fora entrar no mercado de trabalho.

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São as três imigrantes e de origem romena, mas chegaram a Portugal em momentos bem distintos: antes e depois da entrada da Roménia na União Europeia (UE), antes e depois da crise económica de 2011. E se tanto Cecília Minascurta como Mihaela Gruria ou Alina Romina Precup elogiam os portugueses por serem um povo “hospitaleiro”, assim como apreciam as praias, o clima ou a comida, também reconhecem que não é bem a mesma coisa ser português ou estrangeiro quando se chega ao mercado de trabalho. Superadas as barreiras, hoje são elas que dão apoio à integração de outros imigrantes, das mais diversas nacionalidades, através da associação Mundo Feliz.  

“O meu objectivo é defender os imigrantes com toda a alma e coração, porque eu passei por tudo”, explica Cecília Minascurta, de 43 anos, que fundou em 2011, com um grupo de imigrantes romenos, a associação, sediada em Algés, a que hoje preside. É a que está cá há mais tempo: veio com o marido em 2002, “como toda a gente, com o objectivo de melhorar a vida”, numa altura em que a Roménia atravessava uma grave crise económica. Encontrou, desde logo, muitos conterrâneos: de entre os países que entraram na União Europeia já no século XXI, a Roménia é a que tem a maior comunidade de imigrantes em Portugal: mais de 30 mil.

Nessa altura, o processo de legalização demorava cerca de três anos, mas apesar do desafio inicial que foi dominar a língua portuguesa, ao fim de poucos meses, já tinha conseguido um contrato numa empresa de trabalho temporário, onde acabou por progredir profissionalmente e se manter por mais de uma década. “Tive muita sorte, encontrei no meu caminho as pessoas certas”, salienta.

Os obstáculos de hoje são os mesmos de então para esta comunidade, mas também para outros imigrantes de Leste ou de países extracomunitários. Aprender a língua “é o mais difícil” e não saber falar ou escrever correctamente também limita as opções laborais. “Nunca vou esquecer o meu primeiro ano”, recorda Cecília, quando andava sempre com o dicionário debaixo do braço, de manhã à noite: “Não percebia nem bom dia nem boa tarde. Queria falar, mas não conseguia”.

O segundo obstáculo foi arranjar emprego. “Depois, quando consegues dizer o que precisas, ninguém te quer”, observa. A maioria dos imigrantes de Leste, nomeadamente a comunidade romena, adianta, ainda trabalha na construção civil, em firmas de limpeza ou na restauração, independentemente da profissão que exercia no país de origem. “Temos aqui várias pessoas que acabaram a faculdade e mestrados e aqui trabalham nas obras ou nas limpezas”, diz. Não é por falta de oferta no mercado, mas “é sempre mais difícil para um imigrante concorrer a uma oferta de trabalho”. “Preferem sempre um português, que fala correctamente, que é de origem, que não vai deixar o trabalho porque um dia volta para o seu país”, justifica. Ainda assim, acrescenta, “se os patrões vêem que tens capacidades”, não deixam de contratar.

A sua experiência pessoal é disso prova. Apesar de não ter voltado a trabalhar na sua área de formação (era instrutora de Desporto), descobriu uma nova vocação profissional e acabou por usar a experiência que acumulou, durante vários anos, no gabinete de apoio ao imigrante da empresa Talenter, para se lançar no movimento associativo. “Consegui fazer uma coisa bem melhor, por isso estou muito contente”, sorri.

No local de trabalho, nunca sentiu diferenças de tratamento nem discriminação. E os filhos, que já nasceram em Portugal, “foram sempre muito bem tratados” na escola e “têm amigos cá”. De resto, do que mais gosta em Portugal são as pessoas. Os portugueses “recebem muito bem as pessoas. Tem muito a ver com o nosso povo, também somos latinos”, frisa.

Actualmente, através da associação, que agrega hoje mais de 6000 associados de todas as nacionalidades – a maioria oriunda de países extracomunitários – chegam-lhe outros relatos menos positivos, nomeadamente de patrões que querem fugir a pagar subsídios de Natal ou a assinar contratos, “porque sabem que são imigrantes”. Mas é “uma pequena parte”, assegura.

A associação procura mediar estes conflitos com as entidades patronais e alertar os trabalhadores dos seus direitos laborais. Até porque, sem contrato, fecham-se outras portas: de legalização ou de obtenção da nacionalidade, mas também de reagrupamento familiar, já que os imigrantes têm de provar que dispõem de meios de subsistência suficientes para suportar a vinda de filhos ou familiares. É uma lição que não esquece e que procura passar a quem acabou de chegar: “se tens trabalho e tens contrato, tens desconto e consegues legalizar-te. Se vais trabalhar para casa de uma pessoa, sem nenhum vínculo, nunca vais conseguir”, sintetiza.

Depois da adesão

A Roménia entrou na União Europeia em Janeiro de 2007, mas, se na vida de Cecília isto já não fez grande diferença, através da sua experiência de mediação, pode constatar a mudança. Os trabalhadores de origem romena passaram a precisar apenas de um certificado que poderiam solicitar em qualquer câmara municipal. “Em três dias ou uma semana, já tens um documento que dá para trabalhar. Não tem nada a ver com aquilo que eu passei”, nota. Isso trouxe “muita liberdade”, não só para poderem sair do país natal e procurar uma vida melhor noutras paragens, mas também para irem de férias ou visitar a família, sem receio de perderem a possibilidade de regressar ao emprego.

Alina Precup, que chegou a Portugal em 2006, um ano antes da adesão, viveu justamente essa transição. Veio atrás do companheiro, que recebera uma proposta de trabalho em Portugal, e decidiu experimentar, para “ver se dava ou não”. Nos primeiros tempos, admite, teve muito receio, nem saía à rua sozinha. “Era a primeira vez que saía do país. E mesmo sem falar com ninguém, tinha a sensação de que sabiam que era estrangeira”, revela. Mas, depois, arranjou emprego num restaurante, prometeram-lhe um contrato e os próprios clientes foram-lhe ensinando português. “Fui sempre bem recebida, ajudaram-me muito”, diz. E após a entrada da Roménia na União Europeia, concluído o processo de legalização, “foi tudo mais fácil”.

Com os documentos em ordem e um contrato de trabalho, tanto ela como o marido, não tiveram problemas em trazer para Portugal o filho mais velho que acabou por vir, anos mais tarde, para iniciar o 6º ano. Chegou em Junho, para aprender a língua nos meses de Verão e, não chegou a perder nenhum ano escolar. “A professora de Português deu-nos os parabéns”, lembra. Hoje, nem ele nem a outra filha, de oito anos, que já nasceu em solo português, desejam voltar para a Roménia. E é muito por causa deles que a família cá se mantém há 13 anos, ainda que se esforcem por dar a conhecer aos filhos a cultura romena. “A gente não pode esquecer”, vinca.

Apesar de ser licenciada em Economia e Finanças, Alina trabalhou nove anos numa empresa de limpezas, e só agora, que é técnica administrativa na associação, está mais próxima da sua área de formação. E apesar de admitir que, no seu percurso profissional, teve de lidar com algumas pessoas “não muito boas” – patrões menos dispostos a assegurar-lhe os mesmos direitos – não esconde o seu apreço pelos portugueses. “Os portugueses são um povo muito acolhedor. Há sempre excepções, mas a maioria das pessoas não olha para nós como estrangeiros”, acrescenta. Bem diferente, garante, dos relatos que ouve de amigos e conhecidos que rumaram a outros países europeus. “Como estrangeiro é sempre difícil arranjar trabalho, mas quem quer trabalhar, arranja”, conclui.

Começar do zero

Ainda assim, a crise económica dos últimos anos teve impacto na comunidade. “Sentimos muito a crise em Portugal”, assegura Cecília Minascurta. A partir de 2011, por falta de oferta no mercado de trabalho, muitos romenos regressaram ao país de origem, outros tentaram a sorte noutros países, como a França ou a Alemanha “onde se ganhava um pouco melhor”. Para a associação, que dava então os primeiros passos, foram anos difíceis, em que mal havia dinheiro para pagar a renda.

Mihaela Gruia veio nessa altura, com o marido e a filha pequena, quando a crise económica atingiu a Roménia e reduziu para metade o orçamento familiar. Pensaram em ficar um ano e depois voltar, mas residem em Portugal há oito. Muito por causa da filha, que à data tinha apenas dois anos e meio, mas cresceu no país e já só vê a Roménia como destino de férias. “Ela começou a falar a língua e a adaptar-se aqui a Portugal”, explica Mihaela. Por isso, “decidimos fazer a nossa vida cá”. 

Hoje, tanto ela como o marido trabalham nas mesmas áreas de actividade que tinham na Roménia: ele é bombeiro, ela faz atendimento e contabilidade. Mas antes disso, trabalhou, como muitos outros: ele nas obras, ela, nas limpezas. “Começámos mesmo do zero”, conta. O reconhecimento das qualificações académicas do país de origem foi decisivo, mas Mihaela e o marido também não perderam uma oportunidade de tirar vários cursos de forma a irem melhorando as suas competências linguísticas. Com estes diplomas e um currículo actualizado, conseguiu uma vaga numa cadeia de supermercados. “Fiquei muito contente”, recorda. Mas foi também aí, na primeira vez que trabalhou directamente com portugueses, que se sentiu “mesmo imigrante”. “Nunca vais roubar lugar a nenhum português”, avisaram-na então as colegas, mas apesar de ela insistir que havia “lugar para todos”, foi sempre deixada à margem. “Infelizmente, foi assim”, desdramatiza, mas, apressa-se a realçar, “estas coisas acontecem em todos os países, não é só em Portugal”. “A vida de imigrante não é fácil, mas escolhemos este caminho”, resume.

Ainda assim, gosta muito de Portugal: desde a paisagem à comida, das praias às cidades históricas. “Na Roménia, diz-se que Portugal é no fim do mundo”, conta. “Mas eu digo: então o fim do mundo é mesmo um lugar lindo”.

No processo de adaptação de Mihaela, o respaldo da associação foi crucial: na aprendizagem da língua, no acesso ao mercado de trabalho, na organização de documentos. “Tivemos apoio em tudo”, realça. A Mundo Feliz disponibiliza desde cursos de língua a explicações de matemática, tem parcerias com várias empresas para recrutamento de trabalhadores, e apoia a recolha de toda a documentação necessária nos processos de legalização ou de reagrupamento familiar. Também é um porto de abrigo noutras fases mais complicadas: às quartas-feiras, abrem o quintal na parte de trás das instalações da sede para distribuir roupa e comida a quem necessita. “É o dia em que aparece aqui o mundo”, diz a presidente. “Implementámos isto, porque vimos que havia dificuldades”, contextualiza Cecília Minascurta. “Muitos vêm para Portugal, mas não estão preparados. Pagam a renda, mas não têm que comer”.

Mas nos últimos anos, há sinais positivos. A partir de 2016, a situação económica “melhorou bastante”: há cada vez mais ofertas de emprego, em particular na área da construção e do turismo, e alguns imigrantes, também da comunidade romena, “começam a regressar”. “Isso é muito bom, também para o crescimento de Portugal”, realça.

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