Todas as religiões são perseguidas, mas será que há uma mais perseguida do que as outras?
O atentado terrorista no Sri Lanka levou alguns líderes a dizerem que o cristianismo é a religião mais perseguida. A informação disponível mostra que a perseguição a cristãos e muçulmanos “continua a ser generalizada em todo o mundo”, e que os judeus são afectados de forma desproporcionada.
Enquanto o Governo do Sri Lanka tentava perceber quem planeou o ataque terrorista de domingo de Páscoa, a discussão sobre os alvos daquele banho de sangue, que fez pelo menos 293 mortos, ficou clara assim que se conheceram os locais em que os suicidas detonaram os explosivos. Ao atacarem três igrejas católicas e três hotéis de luxo, os responsáveis enviaram a mensagem de que os cristãos – por serem cristãos, ou por serem um dos grupos minoritários na nação budista – e a crescente indústria do turismo foram os principais alvos.
No domingo à noite, a CNN noticiou que a polícia do Sri Lanka recebeu um aviso, no dia 11 de Abril, sobre a possibilidade de acontecer um ataque suicida no país, que estaria a ser planeado por um pouco conhecido grupo extremista islâmico local – o Thawahid Jaman, de quem só se conheciam actos de vandalismo contra símbolos da maioria budista do país.
Esta segunda-feira, o ministro da Defesa do Sri Lanka disse que os sete bombistas suicidas eram cingaleses com ligações ao Thawahid Jaman, mas frisou que as autoridades suspeitam de “ligações ao estrangeiro” – uma outra forma de indicar que o ataque pode ter sido planeado pelo Daesh, um grupo que não tem uma presença forte no Sri Lanka apesar das preocupações do Governo local com o aumento do radicalismo entre a minoria muçulmana do país.
Um pouco por todo o mundo, principalmente nos EUA e na Europa, a ligação entre o ataque no Sri Lanka e o tema mais abrangente da perseguição de cristãos foi imediata. Em Portugal, o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, condenou o ataque e disse que o cristianismo é a religião mais perseguida no mundo actual, segundo uma citação da agência Lusa.
“Quando, mesmo na nossa Europa, se sucedem profanações de igrejas, centenas em França no ano passado, e quando estas tristíssimas realidades nos poderiam desanimar e tolher, os cristãos continuam a entrever, por entre os sinais da morte, a presença de Cristo, que a venceu”, disse D. Manuel durante a homilia de domingo na Sé Patriarcal de Lisboa.
A afirmação de que os cristãos são o grupo religioso mais perseguido não é nova, mas tem surgido com mais frequência nos últimos anos nos discursos de figuras importantes na Europa e no mundo: esteve presente numa visita da chanceler alemã, Angela Merkel, a uma igreja em 2012; e, mais recentemente, num discurso do então primeiro-ministro britânico, David Cameron, na Páscoa de 2014.
Da Nigéria ao Sri Lanka
A tarefa de recolher dados sobre a perseguição religiosa em todo o mundo não é fácil – para além da dificuldade em aceder a informação credível em muitos países, também é difícil separar a perseguição religiosa contra um grupo de pessoas especificamente porque fazem parte de uma religião, da perseguição contra membros de uma religião por fazerem parte de uma minoria, ou por questões políticas ou territoriais que acabaram por assumir contornos religiosos.
Por exemplo, o conflito no centro da Nigéria entre os pastores de etnia fula (a maioria muçulmanos) e os fazendeiros (a maioria cristãos) é muitas vezes apontado como um exemplo de perseguição religiosa dos primeiros contra os segundos. Em Maio de 2018, durante uma visita do Presidente nigeriano aos EUA, o Presidente norte-americano, Donald Trump, contribuiu para reforçar essa ideia: “Temos problemas muito sérios com cristãos assassinados na Nigéria. Vamos falar sobre isso, porque não podemos permitir que aconteça.”
E, em Dezembro passado, um dos advogados do Presidente Trump, Jay Sekulow – comentador na Christian Broadcast Network e na Fox News, e conhecido por representar em tribunal grupos conservadores, religiosos e anti-aborto –, partilhou no Facebook um vídeo em que se dizia que desde 2001 foram mortos 60 mil cristãos no centro da Nigéria, e que os cristãos no país enfrentam a “extinção”. Uma informação que não existe em nenhuma fonte fiável, e que a organização não-governamental International Crisis Group atribui a “conspirações que nasceram em resposta ao conflito, que é essencialmente sobre o acesso a terras e a água”.
“Fazendeiros e pastores têm-se envolvido em confrontos por causa de terras desde sempre. Mas os dois grupos têm ficado cada vez mais próximos [geograficamente] por causa das alterações climáticas”, escreveu a jornalista Krista Mahr numa reportagem para o Los Angeles Times sobre a situação na Nigéria.
“À medida que as pastagens se têm degradado no norte da Nigéria, os pastores semi-nómadas começaram a levar o seu gado para áreas agrícolas densamente povoadas, mais a sul. Ao mesmo tempo, à medida que a população da Nigéria vai crescendo, os fazendeiros vão expandindo os seus campos, muitas vezes para rotas tradicionais dos pastores.” Como resultado, o conflito “foi-se separando dos argumentos sobre terras e assumiu dimensões religiosas e étnicas preocupantes”, disse Krista Mahr.
Uma das fontes mais usadas para se perceber o estado da perseguição religiosa no mundo é o estudo anual do Pew Research Center, que é publicado desde 2007. Usando expressões mais abertas, o instituto fala em “restrições à religião” por parte de governos e em “assédio” por parte de grupos sociais.
Uma questão de dimensão
Segundo o estudo mais recente, publicado em Julho de 2018 e referente à situação em 2016, os cristão são o grupo religioso com mais restrições em todo o mundo, em termos absolutos – nesse ano, houve registo de restrições e de assédio em 144 dos 198 países analisados. Seguem-se os muçulmanos, que viram a sua actividade religiosa limitada e que foram alvo de assédio em 142 países.
“O cristianismo é a maior religião do mundo em termos de fiéis, por isso não deveria ser muito surpreendente descobrir que os mais afectados por aquilo a que se pode descrever como perseguição são os cristãos”, disse Nelson Jones, autor do blogue Heresy Corner, num artigo de 2014 da revista New Statesman. “Pela mesma lógica, seria de esperar que os muçulmanos fossem o segundo grupo mais perseguido.”
Em resumo, é isso que dizem os números do Pew Research Center: “O assédio aos membros dos dois maiores grupos religiosos – cristãos e muçulmanos – por governos e grupos sociais continua a ser generalizado em todo o mundo, e ambos foram alvo de um aumento do número de países que os assedia em 2016.”
Uma relação que não se repete no terceiro grupo religioso mais perseguido em todo o mundo: “Os judeus continuam a ser assediados no terceiro maior grupo de países [87], o que é particularmente notável dado o tamanho da sua população.” Calcula-se que os judeus representem apenas 0,2% da população mundial, em comparação com 31% de cristãos e 24% de muçulmanos.
Ouça aqui o podcast P24 sobre o tema: