António Barreto, Carlos Moedas e Fernando Nobre entre dezenas de homens contra a violência doméstica

Fórum da Sociedade Civil reuniu-se nesta terça-feira para debater prioridades no combate à violência doméstica. Rui do Carmo, António Barreto e Carlos Moedas são signatários de petição por medidas robustas contra violência doméstica.

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Daniel Rocha

Sofia procurou a polícia no sábado para denunciar o companheiro. Avaliação: risco elevado. A gravidade da situação levou a que o agressor ficasse em prisão preventiva até segunda-feira, quando foi presente ao juiz. Foi a psicóloga Sara Sousa quem, no mesmo dia, recebeu a vítima no abrigo de emergência de Santo Tirso, que procurou depois de o agressor ter sido libertado e voltado para casa. A contradição era clara: “Houve todo um procedimento do órgão de polícia criminal, mas depois não houve a aplicação de uma medida que protegesse esta vítima”, explica a directora-técnica da estrutura de apoio à vítima da Misericórdia de Santo Tirso.

Encontramos Sara Sousa no Fórum da Sociedade Civil, um encontro na manhã desta terça-feira que reuniu 58 profissionais de 26 organizações de todo o país na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. As organizações tentaram perceber quais são as suas experiências em comum e em que podem melhorar. Mas, principalmente, perceber o que podem exigir, uma vez que são estas as entidades que actuam de facto no terreno em nome do Estado.

O encontro acontece um mês depois do Dia Internacional da Mulher, quando Alice Frade, da associação P&D Factor, Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, a apresentadora Catarina Furtado, embaixadora da boa vontade do Fundo de População da ONU, e a empresária Sandra Correia reuniram um conjunto de 163 personalidades numa carta aberta a apelar a políticas públicas “articuladas e coerentes” contra a violência doméstica. No início de Fevereiro, o país indignou-se quando uma mulher e a neta foram assassinadas pelo pai da criança, ex-companheiro da mãe. Até então, desde o início do ano, oito mulheres tinham sido assassinadas, a maioria em contexto de violência doméstica. As medidas do Governo pareciam insuficientes. A carta — “uma resposta possível em tempos da indignação”, como descreveu Alice Frade na abertura dos debates — foi convertida em petição online, que já foi subscrita por mais de cinco mil pessoas num mês.

Este Fórum da Sociedade Civil reúne agora profissionais que trabalham directamente com as vítimas — maioritariamente mulheres — para partilhar experiências e definir prioridades. “Estamos a prestar serviço do Estado na comunidade”, lembrava Elisabete Brasil ao início da tarde, na abertura de quatro debates sobre o tema. Com a reunião da manhã e as conversas à tarde, procura-se, nas palavras de Catarina Furtado, apontar o que falha “quando a corrente não corre na direcção para salvar as vítimas”.

E o que falha? Antes de reinventar a roda, algo mais simples: aplicar a lei. “Há lei, há possibilidade de estarmos a fazer melhor, mas na prática a protecção não é efectiva”, lamenta Sara Sousa, da Misericórdia de Santo Tirso. Outra das questões, sublinha, é que “estamos muito centrados na vítima e trabalhamos muito pouco a questão dos agressores” - que vai desde a aplicação de medidas de coacção pensadas na protecção da vítima até o acompanhamento em programas de intervenção, passando, claro, pela prevenção de comportamentos agressivos entre crianças e jovens.

Patrícia Patrício, da Cooperativa Seies, trabalha nos concelhos de Setúbal e Palmela com atendimento e acompanhamento de vítimas mas também ao nível da prevenção primária e secundária. Para si, “é fundamental que, efectivamente, o combate à violência doméstica seja encarado como um desígnio nacional”, levando todos os actores relevantes - desde as escolas à saúde, à educação, às polícias, às IPSS - “a reflectir sobre a sua prática quotidiana”.

163 mulheres, 163 homens?

Durante a manhã, as dezenas de profissionais dividiram-se em seis grupos para reflectirem de forma aprofundada sobre prioridades em diferentes áreas: prevenção da violência; apoio, protecção e segurança das vítimas; procedimentos e práticas profissionais nas áreas da saúde, justiça e polícias; agressores; legislação e, por fim, formação e especialização de profissionais para a intervenção. Os problemas de que se fala ecoam os temas debatidos no final de Março, num workshop organizado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) em Lisboa, que reuniu ONG e membros do Governo para reflectir sobre as recomendações do relatório do GREVIO sobre a situação de Portugal quanto à implementação da Convenção de Istambul.

As conclusões deste Fórum da Sociedade Civil​ serão compiladas até ao final da semana, quando será novamente entregue a carta aberta a apelar a políticas mais robustas e coordenadas contra a violência doméstica.

Agora, além das 163 mulheres subscritoras da carta original de 8 de Março, as proponentes querem reunir um igual número de signatários - homens - com relevo na sociedade portuguesa. Entre os mais de 130 nomes que já alinharam estão o procurador Rui do Carmo, que lidera a Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica, o sociólogo António Barreto, o comissário europeu Carlos Moedas e o ex-ministro Rui Pereira​.

Há ainda deputados dos vários quadrantes políticos, o presidente da AMI e antigo candidato à Presidência da República Fernando Nobre, Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático da Universidade de Lisboa, escritores, músicos e personalidades do entretenimento.

A carta publicada a 8 de Março inclui assinaturas das antigas ministras Gabriela Canavilhas, Leonor Beleza, Maria de Belém Roseira, Maria Luís Albuquerque e Paula Teixeira da Cruz; das antigas secretárias de Estado para a Igualdade Catarina Marcelino, Elza Pais e Teresa Morais; das eurodeputadas Ana Gomes e Marisa Matias, assim como das ex-eurodeputadas Edite Estrela e Regina Bastos, além de várias deputadas da Assembleia da República.

A carta foi remetida ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro, ao presidente do Conselho Superior da Magistratura e à procuradora-geral da República.

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