Sobre-remuneração dos contratos até 2027 com a EDP deve ser revista
Segundo as contas da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), homologadas pelo Governo, a EDP vai receber 154,1 milhões de euros pelos CMEC até 2027, menos 102 milhões de euros do que o valor reclamado pela eléctrica.
A sobre-remuneração que começou com a atribuição dos contratos de aquisição de energia (CAE) à EDP, e mantida com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), deve ser revista, segundo o relatório preliminar da comissão de inquérito.
Na versão preliminar do relatório final da comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade, a que a agência Lusa teve acesso este sábado, é recomendado que “tal como indicado pela ERSE no cálculo do ajustamento final dos CMEC, os elementos que pervertem o objectivo legal da manutenção do equilíbrio contratual devem continuar a ser corrigidos”.
“A sobre-remuneração constituída na atribuição dos CAE à EDP e mantida pelos CMEC deve ser revista para o período remanescente deste regime [em vigor até 2027]”,sugere o relatório preliminar da comissão, cujo relator é o deputado do BE Jorge Costa.
No texto é ainda proposto que a Assembleia da República notifique a Direcção Geral de Concorrência da Comissão Europeia das conclusões apuradas pela comissão de inquérito para que seja possível uma “eventual reapreciação do regime de auxílio de Estado aprovado em 2004”.
Este relatório conclui ainda que a “opção política” do desenho dos CAE, em 1996, - ano em que o Governo era liderado pelo socialista António Guterres - atribuiu à EDP uma “renda por 20 anos” para a robustecer financeiramente.
A forma como os CAE foram desenhados “define taxas de remuneração para as centrais EDP”, que eram estatais e já estavam construídas, “semelhantes aos definidos para o investimento”, que era privado e externo, nas novas centrais térmicas do Pego e da Tapada do Outeiro.
“A opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos teve em vista o robustecimento financeiro da empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização”, pode ler-se na versão preliminar do relatório.
No processo de cessação dos CAE e transição para mercado, prossegue o relatório, o governo recebeu argumentos jurídicos da ERSE que defendiam a viabilidade legal de uma revisão do equilíbrio contratual e propostas de modelos alternativos aos CMEC por parte da AdC e da ERSE, designadamente um modelo de leilões de capacidade virtual.
Mas o que acabou por pesar na decisão política do modelo dos CMEC, em 2003 e 2004, foi “a importância dos CAE no valor da EDP e a posição da empresa face à concorrência espanhola no futuro mercado ibérico. Ambas as preocupações devem ser lidas à luz do processo em curso de privatização da empresa”.
E, realça, que “poucos dias depois da entrada na Assembleia da República do pedido de autorização legislativa que levava em anexo o projecto do decreto-lei que criou os CMEC [240/2004], foi aprovado com o Decreto-Lei nº 218-A/2004, de 25 de Outubro, autorizando o aumento de capital da EDP que reduziu a participação do Estado de 31% para 25%”.
Assim, conclui, a manutenção do equilíbrio contratual dos CAE foi uma decisão política do governo Durão Barroso, consumada já sob o governo Santana Lopes com a aprovação do decreto-lei 240/2004.
Ainda permanecem actualmente no regime dos CMEC 16 centrais hídricas da EDP, cujos contratos terminarão faseadamente até 2027 (Alto Lindoso, Touvedo, Venda Nova, Vilarinho das Furnas, Pocinho, Valeira, Vilar-Tabuaço, Régua, Carrapatelo, Torrão, Crestuma-Lever, Caldeirão, Aguieira, Raiva, Pracana, Fratel).
Segundo as contas da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), homologadas pelo Governo, a EDP vai receber 154,1 milhões de euros pelos CMEC até 2027, menos 102 milhões de euros do que o valor reclamado pela eléctrica.
Ainda segundo o relatório, decreto-lei 240/2004 “veio fazer depender da vontade da EDP a extensão da concessão do domínio público hídrico em média por mais 25 anos em todas as centrais hidroeléctricas do país”, realçando que “este novo direito não existia anteriormente nos CAE nem na legislação de 1995. Esta extensão tratou-se de uma decisão clara do governo”.
“Com esta decisão o governo evitou que o Estado pagasse o valor residual dos equipamentos das centrais, avaliados em 1.356 milhões de euros, mas “perdeu o direito de, através da REN, abrir novos concursos para a exploração dos 26 aproveitamentos hidroeléctricos em Portugal, obrigando a que estes activos ficassem nas mãos de uma única empresa”.
No documento, existe um capítulo dedicado ao papel que consultores da Boston Consulting Group (BCG) tiveram na liberalização do mercado eléctrico em Portugal, em que o deputado bloquista realça que uma equipa de quadros altamente qualificados, e com experiência partilhada na consultora, que apoiava em permanência a EDP, migrou em 2002-2004 para posições de importância crítica no momento da elaboração do novo quadro legal do sector eléctrico: na preparação de legislação, negociação com as partes interessadas e com as instituições europeias, no aconselhamento de responsáveis de governo, os assessores Ricardo Ferreira e João Conceição (hoje na EDP e na REN, respectivamente), na liderança do órgão administrativo que tutela a Energia, a DGEG, Miguel Barreto, e, no Conselho de Administração da EDP, Pedro Rezende.
Nas conclusões, lê-se ainda que durante os trabalhados da comissão foram apurados factos sobre a actuação do ex-ministro da Economia Manuel Pinho e do seu antigo assessor João Conceição, “arguidos no âmbito da investigação judicial decorrente da Operação Ciclone”, “reforçando e em nenhum caso contrariando indícios que levaram à abertura do referido processo de investigação”.