“Se entendem que não devem legislar, no futuro, indignem-se menos”, diz Marcelo
O Presidente da República defende que os legisladores (Parlamento e Governo) devem discutir os limites a nomeações de familiares nos gabinetes dos políticos e tirar consequências. Se não alterarem a lei, então não se queixem.
O Presidente da República insistiu esta sexta-feira na defesa de que o Parlamento e o Governo devem debater os limites às nomeações de familiares de políticos para os gabinetes ministeriais ou parlamentares e decidir se a lei deve ser alterada nesse sentido, como ele próprio defende. Mas se não o fizerem, avisa: “No futuro, indignem-se menos”.
“É preciso decidir se se justifica haver um regime próprio para os que trabalham em gabinetes de governantes e de parlamentares”, disse Marcelo Rebelo de Sousa à RTP, tentando esclarecer o que dissera na véspera, quando defendeu que “vale a pena rever a lei” na sequência de sucessivos casos de nomeações de familiares para cargos públicos. Uma ideia idêntica à avançada pelo primeiro-ministro no debate quinzenal de quinta-feira.
No entanto, a direita mostra-se muito relutante a entrar nesse debate, ou porque se trata apenas de uma matéria de bom senso, como diz o CDS, ou de matéria legislativa da competência do Governo, como afirmou o presidente da Comissão da Transparência, o social-democrata Marques Guedes.
Marcelo Rebelo de Sousa tem outro entendimento. “É uma questão ética, mas quando se chega à conclusão que a ética não chega, é preciso a lei. Estamos a chegar à conclusão que a ética não chega, é preciso mudar a lei também no que respeita à nomeação de colaboradores também de titulares de cargos políticos”, defende.
Marcelo lembra que a nomeação de familiares era comum na I República e na ditadura, e também já aconteceu em democracia. Mas “o país mudou os seus juízos de ética social, porque o país admitia coisas há 30, 20, 10 anos, que hoje não admite”, afirmou. Agora, sublinha, “há uma indignação”. “Parece-me estranho que, havendo essa indignação sobre princípios, não tirem essa consequência. Se os legisladores entendem que não devem tirar consequências, no futuro, indignem-se menos”, avisou.
O recado para o Parlamento, sobretudo para a direita, é claro: “Eu sei que é difícil estar a pedir aos legisladores, sobretudo no fim de uma legislatura, que ponderem matérias destas consideradas sensíveis. Mas o que não é possível é indignarem-se com situações que existem, mas não se indignarem ao ponto de ponderarem definir regras e acolher princípios sobre essas situações. Elas vão continuar a repetir-se”.
Na quinta-feira, o Presidente da República já tinha aconselhado a rever o Código do Procedimento Administrativo, em particular o artigo 69º, que estabelece que um titular de um órgão ou agente da Administração Pública não pode intervir em acto em que tenha interesse um parente ou afim na linha recta ou até ao 2º grau na linha colateral (irmão ou cunhado). Trata-se de uma restrição absoluta no que diz respeito a pais, avós, filhos, cônjuges, uniões de facto e irmãos, e há limitações mais ténues relativas a tios e sobrinhos.
“Aquilo que pode ser discutido é se esses limites que existem para a administração pública em geral não deviam funcionar também para os colaboradores de titulares de cargos políticos, supondo que não são já aplicáveis por analogia”, afirmou agora o antigo professor de Direito.
Esta é uma questão. As outras duas questões que o Presidente gostava de ver discutidas é se essas restrições se devem alargar a outros membros da família, como primos – que foi o caso que levou a duas demissões no Governo – e se deve haver algum controlo quando se trata, não da nomeação de familiares próprios, mas de parentes de outros responsáveis políticos. “Em França, desde 2017 há limites: tem de haver um controlo e uma limitação no caso de não serem familiares daquele que nomeia, mas de outros que partilham cargos de Governo, que devem ser comunicados a uma Alta Autoridade para a Transparência”, exemplificou.
Embora não esteja de momento preocupado com o dano reputacional do Governo a nível internacional, o Presidente sublinhou que “há uma tendência na Europa para ir estabelecendo limites” a este tipo de situações, precisamente porque há uma mudança do sentimento dominante nas sociedades. “Muda a cultura cívica, mudam-se as leis”, conclui.